A Queda

Otávio era alguém normal, fazia parte da vala comum do pensamento humano, mas sofria de uma indescritível solidão. Mesmo assim, ainda tinha alguns momentos de falsa alegria, que todos nós temos, e que se revela apenas nos momentos em que se esquece por completo a realidade.

O que almejava era o impossível, o inaceitável, o indescritível. Este desejo tornara-o vazio, psicologicamente desnutrido. Tudo que ele queria era poder tocar, sentir e dominar um corpo que, segundo a obviedade física, a ele estava próximo.

- As leis físicas não satisfazem as inexplicáveis vontades existenciais, as palavras não descrevem o que é sentir às escondidas o cheiro de alguém que não se pode ter.

Iniciou-se um processo de autodestruição, sua dignidade foi substituída por essa vontade de possuir. Passou a viver de migalhas que a convivência diária e friamente profissional que tinha com Augusto lhe permitiam. Tudo começou a girar em torno disso, até mesmo aqueles raros momentos de felicidade por alienação.

Ele sofria, e não tinha nem coragem, nem força, ou personalidade para exteriorizar o que sentia, para enfim poder realizar ou destruir sua vontade.

Em uma certa noite, perdeu o sono. O terrível carrasco noturno, o travesseiro, começou a torturá-lo. Amaldiçoou sua existência, e decidiu-se:

- Vou acabar com tudo isso.

Este mundo material que destrói os sentimentos valorizando imagens, aparências e reflexos, não mais servia a ele. Otávio se tornara escravo de uma imagem, de uma de algo não existente entre os mortais. Ele próprio já não tinha mais valor, pois seus anseios e tudo que idealizava jamais seria seu.

Saiu em direção à resposta para todos seus problemas. A subida pelas escadas foi rápida, cansativa, mas isso já não faria diferença dali a alguns minutos. Seu corpo, então, numa assombrosa velocidade foi ao encontro dos paralelepípedos molhados, que refletiam, não mais para seus olhos, seu rosto ensangüentado. Os olhos para os quais sua “imagem” foi refletida não entenderam o motivo de tal decisão, e jamais entenderão a complexidade dos sentimentos que nenhuma forma de expressão inteligível podem expressar.

Luiz Gustavo Silva
Enviado por Luiz Gustavo Silva em 11/04/2007
Reeditado em 02/04/2010
Código do texto: T445964