PRESENTE DE FORMATURA
 
Filho de um grande empresário, o jovem Paulo estava se preparando para a festa de sua formatura na faculdade. Sabia que seu pai estava orgulhoso dele, e estava confiante que o velho ia lhe dar aquele presente que ele sempre ambicionou. Esse presente era uma linda Ferrari 348 que ele vira na vitrina de uma concessionária lá dos Jardins. Todos os dias ele saia um pouco mais cedo de casa para ir á faculdade. Fazia isso para poder passar em frente á concessionária e ficar admirando, na vitrine, aquela jóia vermelha, que parecia um sol a brilhar, ofuscando os seus olhos e excitando os seus desejos. E cada vez que olhava, suspirava mais fundo, com a certeza de que estava próximo o momento em que aquela maravilha seria sua.
Certamente seu pai tinha dinheiro suficiente para lhe dar aquele presente. Várias vezes, acenara com essa possibilidade.
“ Quando você se formar pode pedir o presente que quiser que eu lhe darei”, dissera o pai.
E foi exatamente isso que ele pedira. Aquela Ferrari. O pai não dissera nada. Nem que sim, nem que não. A expressão do seu rosto, nem os movimentos dos seus olhos demonstraram qualquer espanto, nem deram qualquer sinal de recusa. Por isso ele tinha certeza que seu desejo seria atendido. Já se sentia dono da poderosa máquina. Via-se dentro dela, passando as marchas, sentido o poder do seu motor, o cheiro do carro novo; via a cara de inveja dos amigos, e os olhares cúpidos das garotas.
Seu pai era um homem sério e justo. Nunca lhe negara nada, embora sempre vivesse lhe dando aqueles conselhos.
“ Não é o que homem tem que importa, mas sim o que ele é”, vivia dizendo o velho. E por conta disso, levava uma vida austera demais para um homem que tinha tanto dinheiro. E depois, havia aquele negócio de religião. Seu pai era muito religioso. De ler Bíblia todos os dias. De fazer orações antes das refeições. De obrigar todos os membros da família a ir á Igreja com ele. Será,que isso não iria atrapalhar?
 
Na noite da sua formatura, uma bela festa na mansão da família. Todos os amigos e parentes presentes. Todo mundo cumprimentando o novo bacharel da família e futuro presidente da empresa. Mas Paulo só pensava no presente que o pai lhe prometera. Não via a hora de pegar a chave da máquina e sair com ela pela noite.
Então veio o velho com aquele pacote, parecido com uma caixa de bombons. Ele abre o pacote e dentro dela aquela Bíblia encadernada em couro marroquim, com o nome dele gravado na capa.
Olhou para o pai com surpresa e espanto. O largo sorriso do velho, e a voz macia com que ele falou, soaram como grossa ofensa.
“ Acho que você vai gostar desse presente”, disse o velho."Você vai precisar dele." 
A indignação se estampou no rosto de Paulo. Sua reação foi instantânea. Atirou o pacote no chão e saiu como um furacão.
 
Anos se passaram. O agora maduro Paulo se tornara um grande empresário, ele próprio. Desde aquela noite fatídica nunca mais falara com o pai. Jamais conseguira perdoá-lo. Mas agora estava com um problema de consciência. O telegrama sobre a mesa, comunicava, laconicamente, o falecimento do seu pai. Tinha que vencer aquele sentimento. Precisava, ao menos, vê-lo pela última vez.
Depois do funeral, Paulo resolveu fazer uma visita á sua antiga casa. Foi até o seu quarto, que ainda estava intacto, exatamente do mesmo jeito que era quando ele morava ali. Sobre o criado mudo aquela Bíblia encadernada em couro marroquim, com o nome dele gravado na capa. Eis ali a culpada de tudo aquilo.
Mas ele não tinha mais raiva agora. Só tristeza. Pegou a Bíblia e começou a folheá-la.Nem percebeu que começara a chorar. Uma lágrima caiu sobre a página aberta. Exatamente sobre um versículo do Evangelho de Mateus, 6:33: “ Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo.”   
Foi então que ele viu, dentro da Bíblia, uma chave grudada em uma das folhas. E junto com ela um envelope. Abriu-o e encontrou uma nota fiscal, referente à compra de uma Ferrari 348, feita exatamente no dia anterior á sua formatura. Lá também estavam todos os documentos da máquina, licenciados em seu nome.