O ANCIÃO DA PRAIA LADRILHADA
O dia já quase se ia e caminhando pela praia calçada eu aguardava pelo seu derradeiro desenlace, pela sua despedida através daqueles resquícios luminosos de raios de sol que se perdem no espetáculo do lusco-fusco a dourarem o mar ao longo do horizonte.
Foi quando ao longe, num ponto aonde a praia se perdia numa curva, eu o avistei.
A cena era insólita.
Segurava nas mãos uns gravetos algo parecidos com lenha , que os tirava do chão distante e os acumulava no cesto da sua velha bicicleta, oxidada pela maresia, e que seus muitos anos de vida anciã não mais lhe permitiam manobrar com agilidade e equilíbrio.
Não entendi como consiguira chegar até ali e tal fato me intrigou.
O que afinal um senhor idoso faria com tantos gravetos obsoletos, num local como aquele , a beira dum moderno hotel de turistas, em pleno calor de quarenta graus dum verão a pino?
Observei o entorno e nada absolutamente havia que pudesse me esclarecer sobre a utilidade daquela sua lenha arduamente coletada na praia e lentamente trasladada na sua bicicleta que puxava com as mãos.
Assim que nos cruzamos pude enxergar seu rosto.
Queimado do sol, algo sizudo e rude, cabelos compridos e destratados, rugas profundas nos locais de expressão facial e um certo ar de timidez anti-social impressionaram muito mais do que às simples terminações neuronais das minhas retinas e então, senti que um arrepio me transfixou o corpo.
Arrisquei-lhe um cumprimento de boa tarde com a cabeça e um sorriso ao que ele me respondeu rapidamente assentindo meu respeito numa língua que não domino.
Assim que terminou de passar por mim virei para trás e dele bati uma foto para registrar a cena do seu poema que mais me parecia sair da história para aquela tarde a beira mar.
Quando numas frações de segundos novamente retornei a máquina para repetir mais um registro do seu verso, ele já não estava mais lá.
Acelerei os passos para procurá-lo em todos os cantos possíveis daquela terra e senti que ele já se tinha ido como uma sereia que mergulha no mar a instigar nossas razões e devaneios.
Senti novo arrepio pelos ossos.
Mais uma ínfima fração de tempo e o sol mergulhava no mar sem se opor à noite, ido para nunca mais daquele mesmo instante enigmático...
Nota da autora: fato insólito, mas verídico.