A ÚLTIMA NOITE DE AMOR

Ela não mostrava o rosto, a poetisa. Apenas flores. Quase sempre camélias, “a mais frágil de todas”, dizia ela. Ou fotos de Marilyn Monroe, por quem nutria um admiração que passava muito do normal. E escrevia belos textos, sempre tristes. Nunca vi um erro na grafia que usava. Mesmo quando, no messenger, escrevia longos trechos de autores franceses.Também citava muito Sylvia Plath.

Uma vez fiz a observação de que as duas mulheres, tanto Marilyn quanto Sylvia, eram suicidas. Ela sorriu. E fez-me ver que também ela era. “Por quê você acha que estou teclando com você até esta hora?”. Olhei para o relógio do computador. Era quase três horas da madrugada. O tempo voava quando papeávamos. Eu a imaginava uma mulher divorciada, de cinqüenta e poucos anos, cheia de olheiras, por causa da vida boêmia que dizia ter.

Até que ela resolveu se mostrar. Tirou uma foto para mim e mandou. O que vi foi de tirar o fôlego. Era uma loura lindíssima, olhos verdes, verdíssimos, da cor que a mais saudável das folhas oferece o sol. Tinha 24 anos. Desafiou-me a mostrar qualquer coisa minha. Tirei uma foto de meu pé. Ela escreveu de volta dizendo que não valia.

Eu disse que o que não valia era a pena ela me conhecer. “Sou muito feio e bem mais velho do que você. Além do mais sou casado.”. ela, desavergonhadamente respondeu que, ainda que eu tivesse uns sessenta anos, ela se tornaria minha amante. Desde, é claro, que eu lhe comprasse um casaco de peles.

A sua melancolia, juntamente com seu humor cáustico e sua inteligência penetrante me deixaram profundamente apaixonado. Demos para nos encontrar no mesmo horário. Bastava eu abrir o messenger, e logo surgia a carinha dizendo: “olá”. E ali ficávamos até a manhã chegar. Minha mulher se cansou de esperar por minha volta para a cama e passou a sair, segundo ela, com as “amigas”. Talvez estivesse me traindo. Mas eu não me importava.

O que me importava era a loura que habitava meu computador. O nome dela era Paula. Isso mesmo. Este nome forte que soava como uma pancada na ponta da língua. Paula. Ela dizia que nasceu com um desequilíbrio eletroquímico no cérebro que a fazia ter uma vontade louca de morrer. E, por isso, perdeu o grande amor de sua vida.

Ele era seu poeta. Ela, dizia, agora era uma musa morta. Moravam juntos e tiveram, certa noite, uma briga costumeira. Mas após esta, em particular, acabou ela por ingerir todas as pílulas de uma caixa de comprimidos. Após o caos instalado, com a internação urgente dela no hospital para o salvamento, ele resolveu sair da vida dela para sempre. Era um rapaz feliz, de bem com a vida. Um vencedor, como se diz por aí. Sumiu e nunca mais voltou.

Tudo isto aconteceu uma semana antes de eu entrar em seu computador. Agora estávamos ali, dois perdedores conectados apesar da distância de mais de mil e duzentos quilômetros. “Pelo menos poesia acho que posso lhe dar”, eu disse. “Vamos ver”, ela respondeu. Escrevi a história de uma louca que saía pela madrugada vestida de negro e se deitava com vários homens. Ela adorou. Deixou-me até mesmo vê-la apenas de sutiã na web cam, enquanto teclávamos. Passei a ser o seu poeta oficial. Era fácil escrever com o coração acelerado do jeito que o meu estava.

E assim passamos três anos. Até que um dia ela perguntou minha profissão. Respondi, e ela então concluiu, curiosa: “ei, então você tem um revólver”. Sim, tenho um revólver. Uma pistola nove milímetros. “Cuido dela com muito carinho”, escrevi, enquanto tomava mais um gole do uísque que sempre me acompanhava durante aquelas conversas. Era fim de semana, e varamos a noite e o dia combinando coisas. Nos telefonamos.

Fui buscá-la no aeroporto na manhã de domingo. Esperei-a com o casaco de peles na mão. Comprara-o no sábado à noite no Shopping. Já havíamos nos descritos em minúcias, de modo que não houve surpresa quando nos olhamos de verdade. Beijamo-nos na boca e levei-a para o meu carro. Dirigi cerca de duzentos quilômetros, até um hotel próximo a uma praia deserta. Bebemos e fizemos amor até o alvorecer da segunda-feira.

O mar estava agitado quando ela entrou na água com um vestido vaporoso. Eu estava de terno e gravata. Vacilei. Ela olhou pra mim e me cobrou com súplicas: “você me prometeu”. Prometi, mas estava tão feliz que achava um absurdo cumprir aquele pacto suicida. Mas pensei no absurdo da vida sem ela. “Olhe para o mar”. A pequena cidade assustou-se com os dois estampidos. E muitas conjecturas foram levantadas para explicar aqueles cabelos cor de ouro cercados do vermelho do sangue e o homem bem trajado que boiava, também morto, ao lado dela.

Enviado por Jimii em 25/03/2011