Rituais Mortuários

Eu morava em uma cidade do interior, e os costumes da pequena vila onde cresci eram primitivos e macabros até mesmo para mim que já devia estar acostumada. Com doze anos, (idade aquela onde tantas mudanças ocorrem), há sempre um fato, um relato que nos fazem deixar para trás nossa inocência e ingenuidade que antes despiam-nos de qualquer espirito gregário.

Uma manhã, véspera do feriado de finados há uma tradição de lavar os jazigos para que eles recebam a visita uma vez ao ano de pessoas que as vezes nem chegaram a conhecer o defunto. Neste dia eles levam flores, velas e até deixam escorrer algumas lágrimas. Até então eu achava aquilo uma bobagem, e dizia a minha mãe que isso era hipocrisia ''Morreu tá morto, eles nem sabem o que fizeram com seus corpos putrefatos.''

Mas na primavera daquele ano uma coisa diferente surgia, havia em mim uma ânsia e curiosidade sobre aquelo. Comecei a andar por entre os túmulos, e naquele passeio que mesmo banhado pelo sol do meio dia era funéreo sem igual. Não tardei a notar escritos nas inúmeras lápides, não me limitei apenas olhar. ''Assim como na sinfonia, onde uma nota sucede a outra mas não a substitui, assim também na vida nunca seremos sempre sucedidos, nunca substituídos.'' Li em uma delas. Outra tinham versos ainda mais belos que contemplavam as fotos dos mortos, decorando cada canto fúnebre. Nunca havia reparado o quão bonito um cemitério fosse, eu realmente começava a gostava daquele lugar.

De súbito eu vira que uma coisa me incomodava bastante: as pessoas tinham medo da morte. Será este o motivo de tantas pompas para os cadáveres? Não seria mais fácil aceitá-la? Seguindo as ruas me deparei com um enterro, até então até então inédito para mim devido minha precocidade.

Confesso que tive uma grande vontade de rir de todos os presentes naquele momento, mas ainda de seus consoladores que indagavam falsamente ''Fulano foi para um lugar melhor" que idiotice! eu já sabia que Papai Noel e a Terra do Nunca não existiam, mas aqueles adultos falavam e fantasiavam um lugar encantado depois da morte.

Fiquei parada por perto, vislumbrando o ritual primitivo, mas que me encantava de um modo sombrio e mórbido. As flores pareciam chorar também, quando eram jogadas sobre o mármore polido que brindava em saudação às lástimas dos parentes. Era lindo!

Uma semana depois minha mãe que saíra as presas no meio da noite para o hospital de emergências, logo me disseram que ela havia falecido devido um infarto. Não me contive, ideias psicóticas em meio segundo percorreram meu cérebro de uma só vez. Eu sorri imediatamente , todos se espantaram com a minha felicidade; não expliquei o que eu senti na realidade embora eu soubesse muito bem, na consciência pouco poética eu via uma oportunidade. Agora ela também teria um túmulo.

Exorcista
Enviado por Exorcista em 23/07/2013
Código do texto: T4401136
Classificação de conteúdo: seguro