Escapismo
Num banco gélido e escuro da praça mais afastada das turbulentas ruas de são pulo, me sentei e contemplando minha soturnez repudiando cada relógio da cidade que faziam de mim um homem solitário sem hora para voltar. Desfaleci em um sono pesado; Os abri quando era bem cedo e a luz matinal me expulsava com desdém.
Eu ficara mais de duas semanas sem dar nenhum sinal de vida ou morte em casa, na qual viviam meus tios inúteis e velhos num eterno repouso no sofá da sala assistindo sem descanso toda e qualquer programação da mais inútil classe que era a TV aberta; um cão pulguento que só servia para latir e incomodar a vizinhança imunda que sempre reclamava.
Nunca casei, na verdade vivia com um pessoa e tenho a profunda dúvida de que eu tenha a matado do coração todas as vezes que chegava bêbado, no entanto nunca fui sequer visitar seu jazigo. Atualmente as dívidas e os juros aumentavam todo mês, embora jamais tivessem confirmado minha existência.
Sempre fui lobo, de alcateia singular mas ainda sim a solidão pesava. Peso este que não tinha nome, nem endereço, nem como, nem um porque, só existia. Contudo, havia uma maneira de esvaziar a alma. Conclui que meus feitos até então eram insignificantes, mas o ultimo seria eterno e glorioso.
Levantei de súbito com uma ideia latejando e fervendo no meu cérebro. Dirigi a um prédio, o mais alto que minha visão alcançara e entrei. Não sabia nem do que se tratava o edifício, mas com algumas desculpas persuadi a recepcionista. Meu futuro cadáver precisava realmente daquilo, não sabia ao certo se me faria bem, entretanto poderia ser um merecido fim.
Peguei o elevador e por sorte havia apenas uma pessoa da limpeza, que também iria para a parte mais alta do prédio. Quando as portas se abriram puxei a faxineira para junto de mim ameaçando-a com um canivete que sempre me acompanhava; apoiando na artéria do seu pescoço ficou intacta e disposta a me acompanhar. Caminhamos até a beirada da construção e esperei alguns instantes até que alguns gatos pingados olhassem para nós; foi quando avistei seus semblantes apavorados.
Quando as viaturas chegaram, debilmente comecei meu primeiro, único e ultimo discurso: "Sou um homem, nem mais nem menos, um homem dos pés a cabeça..." assim fui emendando, como se alguém ouvisse, ou pelo menos quisesse ouvir; apenas amontoavam pessoas na curiosidade do hediondo acontecer.
Continuei meu trágico discurso, como se os céus levassem toda dor e peso, quando fiquei tão leve quanto o vento, larguei da vitima, deixei levar e me misturara com azul asseado. Meio segundo depois afoguei no mais sujo sangue, que banhava a calçada.
Fui escravo do meu vazio, e prisioneiro da minha existência no fim, paguei a morte com a própria vida e no meu ultimo suspiro, fui livre.