ROSAS AMARELAS
 
A noite foi de sono tranquilo. Entretanto, somente abri os olhos e alguma coisa começou a me incomodar. Tinha a sensação de que algo estava errado. Pensei que fosse resultado de pesadelos. No entanto, não me lembrava de nada. Ao que parecia, dormira como um anjo.

Levantei-me, indo direto para o banho, certa de que uma boa ducha resolveria. Não funcionou. Tinha aperto no coração, vontade de chorar e tremor. Tudo assim, de repente. Fiquei com medo que tivesse derrame, ataque cardíaco ou qualquer outro treco.

Fui para a cozinha, cumprimentei marido e filhos, sorri, com o pensamento de que não passasse de maquinação da minha cabeça. Para afugentar o medo, dei gargalhadas por qualquer coisa hilariante que dissessem. O resultado foi que os três me olhavam, desconfiados. Controlei-me.

Terminada a refeição, cada um tomou seu rumo. Fiquei só. O mesmo mal-estar. Agora, já não conseguia ficar parada. Ia de um lugar ao outro, abria janelas, fechava portas, trocava objetos de lugar; subia e descia a escada, arrumava os livros, ia ao jardim, voltava, ligava a tevê, desligava. Sem resultado. Pensei em tomar um calmante, em telefonar para que família voltasse, pedir socorro. 

Então, olhei para o retrato de minha sogra, abraçada aos dois filhos. Sorria. Mas pareceu-me que o sorriso estava diferente. Lembrei-me que era aniversário de sua morte. Desviei os olhos, com a sensação de que o mal-estar aumentara. Vi a chave do carro em cima da poltrona e fui direto e ela, como um autômato.

Dirigi-me para a garagem, entrei no carro e saí, sem rumo, sem entender, mas com a ideia de que precisava me livrar do sufoco, rodar, parar, ver gente, conversar. Percorria as ruas sem pensar, indo, no entanto, para um lugar determinado, como se o carro é que decidisse.

E foi assim. Ele parou em frente à floricultura. Que bom, pensei, vou ver flores lindas, alegrar meus olhos. Vai fazer-me bem. Era disto que precisava. Talvez esteja aí a solução.

Helenita aproximou-se, solícita:

— Bom dia. Já sei, as rosas vermelhas. E elas estão exuberantes, hoje.   

Nem respondi. A moça sempre me atendia e éramos gentis uma com a outra. Mas, naquele momento, era como se nem a visse. Fui direto ao jarro com rosas amarelas, escolhendo as mais bonitas. A funcionária, que me seguira, estranhou.

— Mudou os móveis. Foi isto. Finalmente, decidiu comprar desta cor.

— Não. Que nada. Somente quero variar.

— Mas as amarelas? Mesmo quando algum vendedor insistia, jamais quiseste levar as amarelas, porque não combinavam com o sofá.

— Pois é.

Respondi seco. Paguei e fui saindo, sem maiores explicações.

Retornei para casa, fiz um arranjo bonito e coloquei no centro da mesa. Nesse exato momento, a angústia que me azucrinara foi embora, bateu asas, sumiu, como por milagre. Senti um alívio tão grande, uma alegria sem propósito, vontade de sair dançando pela casa.

Liguei o som, peguei um livro e sentei-me no sofá. Fiquei olhando para as flores. Lindas, perfumadas, mas sem combinar com qualquer coisa da sala.

Voltei-me para o livro e mergulhei na história, sentindo-me feliz, tranquila, relaxada, e sem explicação, mas também sem questionamento. Nem ao menos me perguntava o porquê das coisas.

Depois da leitura, deitei-me no tapete para meditar. Era o que costumava fazer há anos. Fiquei em torno de duas horas ali. Depois, fui para a cozinha preparar o almoço, o que gosto de fazer. Enquanto as mãos funcionam, o pensamento saltita. Quando estava envolvida nisto, o telefone tocou. Era meu cunhado.

—   Bom dia, Eduarda. Tudo bem?

—   Bom dia. Tudo bem. Como estão as crianças?

— Aqui estão todos bem. Paula foi ao centro e os pequenos estão no colégio. Liguei porque tenho uma missão para ti.

 — Ainda bem que deve ser algo bom, a julgar pela tua voz.

— Não sei o que vais achar. Sabes que não acredito nessas coisas, que sou cético e que acho isto uma baboseira. Mas foi uma ordem. E parecia real.

—   Calma! Do que estás falando?

— O caso é que sonhei com mamãe. Estava num jardim de flores vermelhas. Rosas, acho. Sentamos num banco e ficamos contemplando. Ela disse: estou cansada desta cor. Diga para Eduarda comprar rosas amarelas. Não esqueça. Rosas amarelas.



 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 20/07/2013
Reeditado em 28/07/2013
Código do texto: T4396128
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