Bolinho surpresa
O Papa ainda não veio, nem o bebê da monarquia inglesa, nem os médicos do exterior ou mesmo os do próprio país. A chuva que salvaria o sertão ainda não chegou, o carregamento de comida para a fome na África ainda não chegou, a ajuda aos haitianos ainda não chegou. A reconstrução das áreas engolidas pelo barro, no Rio de Janeiro (continua mesmo?), ainda não ocorreu. Os mensaleiros ainda não foram punidos e nem os militares dos 25 anos ácidos. Jesus ainda não veio, nem Alá, Krishna, Baal Moloch, Elvis ou a fada do dente. O homem que mudaria o país, o mundo, a cidade ou mesmo o seu bairro, também não veio. Não veio o barqueiro da morte, o profeta, a besta de 7 cabeças, 7 pecados, 7 anões, 7 dias, 7 selos. Não veio o dilúvio, o Bug do milênio, a punição divina ou humana. Não veio o homem com o mapa da mina, de Marte, de Eldorado. Não veio o ET, de Varginha, Roswell, de terno preto. Não veio o perdão da dívida, o aumento do crédito, o apoio do chefe, o elogio ao empregado. Não veio a ereção, o orgasmo, a promoção, a aposentadoria. Não veio a encomenda, a conta, o cheque, o e-mail, a carta, o torpedo. Não veio o filho que foi pra guerra, o pássaro que fugiu da gaiola, o patinho feio que foi até os gansos, o prêmio, o Oscar, o Nobel. Não veio o brinquedo que queria e nem o que não queria, assim como não veio a carne no prato, o programa na TV, o artista no show. Não veio a inspiração, a luz, o calor, a brisa, o endereço, o atalho. Não veio o taxi, o ônibus, a carona, a pizza, a comida chinesa, o malote de dinheiro, o prêmio da loteria. Não veio a casa própria, a chácara no interior, o castelo na Europa, a cachoeira na África, o mergulho no oceano. Não veio o vinho, a sobremesa, o cometa Halley, o astronauta de mármore, o homem boto, o índio impávido. Não veio o vingador, o olho de boi, o dracma secular, o Santo Graal, o sopro da morte, os pregos da cruz, a coroa de espinhos, a estrada de tijolos amarelos. Não veio a indenização, o reconhecimento, o pedido de desculpas, a lágrima de crocodilo. No fundo, quase na última mordida, um pedaço de carne apimentada.