ATRÁS DA PORTA
— Mãe, vem me procurar.
— Onde, Luís Felipe? Não consigo te achar.
Distraída, o pensamento na cena que foi plasmada em meu cérebro, dei um salto do banco, quando o menino gritou atrás de mim. A mãe aproximou-se.
— Assustou-se? Desculpe.
Dirigindo-se ao filho.
— Sai daí, querido. Venha, vamos brincar em outro lugar. Deixa a senhora quieta.
— Ela não pode brincar junto?
Passei a mão sobre os cabelos castanhos encaracolados do menino sob o banco, exatamente como fazia com Pedro Henrique. Senti a maciez e o perfume do sabonete. Tudo tão igual. Meu filho também gostava de brincar se esconder, na praça. Por que, por que, por quê? Oh, Deus, por quê?
— A senhora está bem? Foi o susto? Posso lhe ajudar em alguma coisa?
— Pode, sim. Deixa teu menino fazer o que quer. Não me incomoda, pelo contrário, parece que vejo o meu. É parecido. Faz-me voltar ao tempo em que éramos felizes, em que aqui corríamos, alegres.
— Aconteceu alguma coisa com seu filho?
— Sim, aconteceu. Algo terrível. Mas não quero entristecê-la. É uma história antiga. Só a dor que é recente, renovada a cada dia.
O menino pôs-se a correr, ziguezagueando por entre as árvores, e a mãe afastou-se, na maratona de acompanhar os passos da criança.
Levantei-me e saí em sentido contrário, as costas curvadas, carregando o fardo invisível que me acompanhava há exatamente dez anos e cinco horas.
Dirigi automaticamente. Entrei no apartamento, sentei próximo à janela e contemplei o Guaíba.
O vento da tarde de primavera ondulava a água, e um barco a vela passava, célere. Embaixo, no parque, correria, gritos, sorvetes, pipocas, pandorgas, pessoas felizes.
Preciso fugir, deixar que os outros contemplem o pôr-do-sol. Para mim, só o silêncio da noite. Não posso contaminar os demais com amargura.
Nem Celso suportou, fugiu. Mas deve ter outros motivos. Conviver comigo tornou-se um inferno. Ele não conseguiu, pobre querido. Não tenho raiva. Fui a culpada. Sou a culpada. Ele também sofria, sentia saudade. Mas com ele era diferente. Passava o dia fora, muitas vezes, quando chegava, o filho já dormira ou percorria a noite, já não tinham diálogo, já nem se conheciam.
Nem eu reconhecia Pedro Henrique. Não mais me encarava, olhos baixos, de culpado. Quando tentava falar, ouvia sempre o mesmo:
— Sai do meu pé. Olha só, cresci. Me larga, pô.
E saía. Ficava um, dois dias fora. Voltava sujo, fedendo, com olheiras, o olhar perdido, sem fome, sem risos. Há muito que não mais ouvia as gargalhadas que havia sido uma constante. Perdia meu garoto pouco a pouco, sentindo-me inerte, sem poder ajudá-lo.
Quando de um retorno, com um corte no braço esquerdo, tentei segurá-lo.
— Deixa-me ver isto, garoto. Precisa de curativo.
Deu um safanão, jogando-me contra a parede. Perdi o controle e avancei com a primeira coisa que encontrei: um vaso. Mas o alvo já saía para a rua, mais uma vez. Logo em seguida, retornou. Olhava para os lados, procurando evitar-me. Foi direto para o quarto. Horas depois, fui vê-lo, pensando que dormia, mas encontrei o quarto vazio e a porta aberta.
Durante três dias, fui somente angústia, a pensar na situação, onde andaria meu filho, talvez jogado na sarjeta, com fome, sujo, ferido, drogado, e nada podia fazer.
Telefonei para amigos. Ninguém sabia, não o tinham visto. Até então, nunca havia ficado três dias fora. Pensei em procurar a polícia, porém o Desembargador Celso Almeida não poderia ser vítima de escândalo.
Só me restava rezar. Passei a noite acordada, sem saber o que pensar, o que fazer. Algo grave teria acontecido.
Pela manhã, consegui dormir um pouco. Às dez horas, quando levantei, senti um cheiro desagradável, como se o vento trouxesse o odor até o quarto. Andei pela casa e o cheiro continuava, ficando mais forte à medida que me aproximava do quarto de Pedro Henrique. Pensei que ele havia deixado algo no quarto, que apodrecera. Procurei por tudo e não encontrei nada.
Quando saía, o horror: atrás da porta, o corpo enforcado.
— Mãe, vem me procurar.
— Onde, Luís Felipe? Não consigo te achar.
Distraída, o pensamento na cena que foi plasmada em meu cérebro, dei um salto do banco, quando o menino gritou atrás de mim. A mãe aproximou-se.
— Assustou-se? Desculpe.
Dirigindo-se ao filho.
— Sai daí, querido. Venha, vamos brincar em outro lugar. Deixa a senhora quieta.
— Ela não pode brincar junto?
Passei a mão sobre os cabelos castanhos encaracolados do menino sob o banco, exatamente como fazia com Pedro Henrique. Senti a maciez e o perfume do sabonete. Tudo tão igual. Meu filho também gostava de brincar se esconder, na praça. Por que, por que, por quê? Oh, Deus, por quê?
— A senhora está bem? Foi o susto? Posso lhe ajudar em alguma coisa?
— Pode, sim. Deixa teu menino fazer o que quer. Não me incomoda, pelo contrário, parece que vejo o meu. É parecido. Faz-me voltar ao tempo em que éramos felizes, em que aqui corríamos, alegres.
— Aconteceu alguma coisa com seu filho?
— Sim, aconteceu. Algo terrível. Mas não quero entristecê-la. É uma história antiga. Só a dor que é recente, renovada a cada dia.
O menino pôs-se a correr, ziguezagueando por entre as árvores, e a mãe afastou-se, na maratona de acompanhar os passos da criança.
Levantei-me e saí em sentido contrário, as costas curvadas, carregando o fardo invisível que me acompanhava há exatamente dez anos e cinco horas.
Dirigi automaticamente. Entrei no apartamento, sentei próximo à janela e contemplei o Guaíba.
O vento da tarde de primavera ondulava a água, e um barco a vela passava, célere. Embaixo, no parque, correria, gritos, sorvetes, pipocas, pandorgas, pessoas felizes.
Preciso fugir, deixar que os outros contemplem o pôr-do-sol. Para mim, só o silêncio da noite. Não posso contaminar os demais com amargura.
Nem Celso suportou, fugiu. Mas deve ter outros motivos. Conviver comigo tornou-se um inferno. Ele não conseguiu, pobre querido. Não tenho raiva. Fui a culpada. Sou a culpada. Ele também sofria, sentia saudade. Mas com ele era diferente. Passava o dia fora, muitas vezes, quando chegava, o filho já dormira ou percorria a noite, já não tinham diálogo, já nem se conheciam.
Nem eu reconhecia Pedro Henrique. Não mais me encarava, olhos baixos, de culpado. Quando tentava falar, ouvia sempre o mesmo:
— Sai do meu pé. Olha só, cresci. Me larga, pô.
E saía. Ficava um, dois dias fora. Voltava sujo, fedendo, com olheiras, o olhar perdido, sem fome, sem risos. Há muito que não mais ouvia as gargalhadas que havia sido uma constante. Perdia meu garoto pouco a pouco, sentindo-me inerte, sem poder ajudá-lo.
Quando de um retorno, com um corte no braço esquerdo, tentei segurá-lo.
— Deixa-me ver isto, garoto. Precisa de curativo.
Deu um safanão, jogando-me contra a parede. Perdi o controle e avancei com a primeira coisa que encontrei: um vaso. Mas o alvo já saía para a rua, mais uma vez. Logo em seguida, retornou. Olhava para os lados, procurando evitar-me. Foi direto para o quarto. Horas depois, fui vê-lo, pensando que dormia, mas encontrei o quarto vazio e a porta aberta.
Durante três dias, fui somente angústia, a pensar na situação, onde andaria meu filho, talvez jogado na sarjeta, com fome, sujo, ferido, drogado, e nada podia fazer.
Telefonei para amigos. Ninguém sabia, não o tinham visto. Até então, nunca havia ficado três dias fora. Pensei em procurar a polícia, porém o Desembargador Celso Almeida não poderia ser vítima de escândalo.
Só me restava rezar. Passei a noite acordada, sem saber o que pensar, o que fazer. Algo grave teria acontecido.
Pela manhã, consegui dormir um pouco. Às dez horas, quando levantei, senti um cheiro desagradável, como se o vento trouxesse o odor até o quarto. Andei pela casa e o cheiro continuava, ficando mais forte à medida que me aproximava do quarto de Pedro Henrique. Pensei que ele havia deixado algo no quarto, que apodrecera. Procurei por tudo e não encontrei nada.
Quando saía, o horror: atrás da porta, o corpo enforcado.