SUSPEITO
    
Quando Geraldo entrou, Fernando dormia. Sono agitado, balbucios e gestos que denotavam luta entre os fantasmas do pesadelo. Puxou a cadeira próxima, abriu o jornal e aguardou. Era a primeira vez que visitava o doente, que permaneceu por quinze dias em coma.

Fernando ergueu o corpo, arregalou os olhos desmesuradamente, encarando Geraldo, enquanto vociferava:

- Me larga! Sai da frente. Sou policial.

Saltou da cama e atracou-se com o visitante, no momento em que um enfermeiro chegou e conseguiu acordá-lo.

Colocado na cama, olhou em volta, assustado, e deparou-se com a visita. Esboçou um sorriso, passou as mãos pelos cabelos.

- O que faz aqui? Onde estou? O que aconteceu?

- Não se lembra de nada? Desta vez foi feio. Pensei que perderia meu melhor policial.

         Fechou os olhos. Imagens de lutas, socos, tiros e gritos passaram de relâmpago.

         - Pelo jeito, preciso mudar de profissão. Assim, não dá mais. Não me deixam trabalhar. Olha que estou calejado nisto, um tira esperto, mas não aguento apanhar tanto. Sujeitos idiotas. Nem me deram chance.

         - Dá um tempo, cara. O importante é te recuperar logo. Preciso de ti. És o melhor no que fazes. Tenho orgulho de contar contigo na equipe.

Fixou o olhar no teto, deixou as lembranças fluírem.  Ainda como se falasse para si, explicou.

- Sei que alguns profissionais incorporam de tal modo o que fazem que passam a assumir postura que os identifica.

- Do que estás falando?

- Outro dia, estando num bar com amigos, fiquei atento ao que o frequentador na mesa ao lado dizia. Contou, entre as gargalhadas dos demais, que passeava com a família, distraído, quando deparou com sacos de lixo na esquina. Fez um gesto de sair correndo para pegá-los. Disfarçou, fingindo uns passos de dança, para que a esposa não percebesse.

- Queres dizer que...

Deu risadas, que lhe pareceu fora do contexto, e acrescentou:

- Chefe, saquei. É por isto que tenho cara de bandido. Cacoetes da profissão. De tanto me empenhar para ser bom no que faço, como o senhor mesmo diz, acabei assumindo uma postura que me confunde com os marginais que caço. Quando estou na minha regional, onde me conhecem, tudo vai bem. Mas o tranco pega é quando vou para outro distrito. Aí na hora da caçada, sou o primeiro a ser apanhado. E até eu provar que o correto do anzol é ser torto, apanho. É isto aí.



 



MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 26/05/2013
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