Nascido com defeito

Nasceu na contramão de leis, recomendações, educação e sociedade. Em criança fazia por desesperar qualquer mortal com perguntas inconvenientes, gestos despudorados, gritos agudos. Era capaz de acabar com um jantar de aniversário, mijar nas pernas da avó por pura diversão, cuspir na cabeça de quem passasse em baixo da varanda da casa ou jogar pela janela o que lhe viesse à mão. A mãe vivia no terror do que ele pudesse fazer ou dizer. Achavam, no bairro, que a criança tinha uma mola a menos ou que, para serem mais francos, era um estupor a quem apetecia apertar muito o pescocinho. Criadas, amas, professoras e até o padre tinham boas razões para o detestar e só a custo o suportavam. Foi difícil crescer mas o certo é que ganhou barba, corpo de homem e apetites vorazes. Apalpava quem pudesse e as primas, ao fim de três minutos de convívio, já gritavam por socorro. Experimentaram o colégio em regime de internato e casas de correção. O moço parecia que trazia o diabo no corpo. Um dia desapareceu de vez e ficou anos sem que ninguém soubesse do seu paradeiro. E agora, quando já ninguém esperava voltar a vê-lo, reaparecia para visitar a família e apresentar a mulher. Vinha manso, cordato e simpático. Disse que o amor o fizera fazer as pazes com o mundo. Ela, a companheira escolhida, confirmou que, após as primeiras cenas extremas a que ela respondeu com idêntica violência ele sentiu-se dominado e mudou de atitude. Agora ainda pensa que tudo lhe pertence mas teme desagradar à mulher. É ela quem manda. A ele cabe-lhe obedecer.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 20/05/2013
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