A porta foi aberta.
A mulher estava lá. Encarou-a. Talvez esperando uma reação. Ela olhou para os pés da mulher. Eles calçavam saltos Luiz XV. A mulher também retribuiu o mesmo olhar. Depois as duas juntas ergueram a cabeça, verificando pernas, quadril, barriga, seios, braços, rosto, cabelos, até que finalmente os olhos se encontraram novamente.
Será que a mulher a analisaria assim, muda, observando-a? Ela já tinha ouvido falar dos analistas. Ficam num silêncio freudiano que grita arrogantemente “Eu te conheço melhor do que você!” Aquela lá parecia daquele tipo: a enigmática sapiente.
Conhecia aquele tipinho.
As joias ostentavam numerosas. As mãos carregadas de pedras preciosas. No pescoço, uma coleira cravada de diamantes. O bracelete de outro acenando quilates... Achava que podia tudo porque era rica? Apostava que a outra tinha que comprar sempre, pois não possuía nada em si: comprava amigos pois não era simpática; comprava amores pois era chata; comprava justiça pois não tinha ética; comprava certeza pois não sabia argumentar; comprava diplomas pois não tinha sabedoria; comprava admiração pois não tinha estilo; comprava relíquias pois não tinha espiritualidade.
As protuberâncias de 350 ml de silicone se derramavam sensualmente no decote, alvas como duas montanhas de neve. Era uma loura autêntica e absolutamente heterossexual, tinha uma ascendência aristocrática. Era alvo da inveja daqueles cujo sangue era mestiço, minoritário, descendente de um sobrenome que, de tão comum, tornou-se anônimo.
Além disso, estava convencida de que a analista sendo crente ou não, de alguma forma achava que havia alcançado instâncias transcendentais mais elevadas, seja lá isso o que significasse. Portanto se sentia salva.
Por fim, a mulher obviamente se considerava culta. Deve ter colado grau em mais de uma faculdade, embora não exercera bem a faculdade de pensar. Fazia-se de misteriosa, mas na realidade era sonsa.
Duas mulheres. Uma fitando a outra. Medindo...
Fazer o quê? A mulher esperaria que ela se abrisse assim entregando seus conflitos trancafiados a duros superegos no inconsciente abissal? Que trouxesse à tona aquela coisa cujo nome é inexprimível, mas que preenchia o seu peito com um vazio turbulento? Como usar palavras para espremer-se, retirando de si o sumo sôfrego e apontar: é isso? Do seu ventre e entranhas, o máximo de pessoal que dera ao mundo era sua filha que a tratava como uma estranha. Não. Seus ventrículos continuariam com aquela sonoplastia selada e monocórdia, desde que não despertasse o som rival das cordas vocais de ninguém. Queria a mulher que ela abrisse as portas e entregasse seu coração de bandeja como um sacrifício a Huitzilopochtli? Nunca! Sentia a crítica como um punhal: o primeiro golpe que recebeu aos quatro tornou-se uma hemorragia eterna.
Não se revelaria àquela patife!
Fechou a porta do armário com tanta violência que a mulher que a desafiava no espelho interno se espatifou em um estardalhaço de incontáveis pedaços.
Tarde demais. Foi-se sua última chance de análise.