MESSIDOR
“Trago a morte para te ofertar”, disse ao interlocutor, um ser cadavérico, algo entre pele e osso numa carcaça que talvez não chegasse a alguns meses mais. Pensou ter visto naquele olhar sombrio uma revolta que já não despertava nele qualquer compaixão. “Estou pagando um preço muito alto”, disse a figura esquelética. “Estava?”, pensou. “Não vou viver sua dor”, disse por fim e já tentando afastar-se daquele e da atmosfera que começava atormentá-lo. “Cadê sua oferta?”, indagou o outro, sem forças para indignar-se, mas crispando as mãos secas e descoradas.
Seguiram para o quintal. Em meio às folhas secas e à poeira acumulada, apanhou um filhote de pássaro ali caído e inerte. Virou-se para o esquelético e com a mão à altura do rosto macilento, esmagou o pequeno e pútrido ser. Vísceras e carne do cadaverzinho em decomposição escorreram por entre os dedos alvos. Sentiram um odor insuportável invadir as narinas. O outro, com engulhos, cuspiu na “oferta”.