Dona Cândida, desanimada, colocou a revista de modelos sobre a estante e sentada em sua velha cadeira de balanço pôs-se a pensar, como iria fazer para comparecer ao baile para o qual fora convidada. O primeiro e único baile para o qual alguém a convidava; sempre fora ignorada na pacata cidade onde vivia; era uma mulher de pouca instrução, sempre viveu, como sua mãe, de serviços variados, um deles o de parteira, acompanhante de doentes, rezadeira e outras coisas mais.
Todos a olhavam entre admirados e curiosos, alguns até achavam que ela era uma bruxa, ou coisa parecida, até porque ele não era uma mulher bonita, era até feia, é, muito feia!! magra demais, pernas finas, braços muito longos, era de boa estatura, mas não era atraente e tinha o rosto muito comprido e fino, os olhos grandes demais, a boca muito grande também, de lábios finos e irregulares, e os cabelos, nossa, os cabelos eram um problema, eram bastos, era muito cabelo e crespo, como eram crespos!! pela manhã ao levantar, estavam arrepiados, às vezes ela até pensava – se alguém me vir assim ao acordar, pensará mesmo que eu sou uma bruxa e que vim de alguma cerimônia macabra.
Assim foram passando os anos e Dona Cândida foi vivendo só e ignorada, de repente, eis que acontece uma coisa extraordinária, ela que sempre fazia a sua fézinha na loteria federal fora sorteada e ganhara muito dinheiro, ficara rica, muito rica, então começaram as visitas, as pessoas queriam saber o que ela iria fazer, se mudaria da cidade, ou o que faria com tanto dinheiro. Até as pessoas que riam dela e a apelidavam de Bruxa, ET.
Engraçado, pensava Dona Cândida, que importância tem o dinheiro para as pessoas, de repente ela deixara de ser invisível aos olhos de todos e começara a aparecer. Mas o que importava mesmo para Dona Cândida era sua casa e ela sempre tivera vontade de saber como era ser rico, como viviam os ricos e suas casas hein ! - deviam ser deslumbrantes, pisos sofisticados, espelhos por todas as paredes, o chão com tapete, vermelho, sim, vermelho, era sua cor favorita e as cortinas, nossa, cortinas estampadas, de uma estampa bem grande com flores e folhas e as paredes da casa, com papel de parede, também estampado de florzinhas. É era assim que seria minha casa se eu tivesse marido e filhos, mas sozinha, pra que ? Não, não careço de outra casa, nada disso, agora eu quero é conhecer gente, fazer parte das festividades da cidade, subir no palanque e falar com as pessoas que são importantes e dão dinheiro para as obras da igreja, para as escolas e orfanatos, e até para os hospitais, isso sim, eu quero que falem em mim. Começou então a imaginar-se na festa do padroeiro da cidade, fazendo parte do grupo de senhoras benfeitoras da igreja e organizadoras da festa, ela faria bolo de fubá e cuca de banana para levar e ainda daria um bom dinheiro para o padre Celso para armar mais barraquinhas, comprar mais prendas, ah! Eu adoro prendas!, e adoro jogar argolas nas barracas!
- e mais, quero ir segurando o andô. Estava assim absorta em seus pensamentos falando consigo mesma, quando bateram na porta, ela foi atender, era Dona Narcisa a vizinha, queria saber se ela queria fazer mesmo com ela o vestido para ir ao Baile Beneficente, para o qual fora convidada;
Entra Dona Narcisa, eu ainda estou pensando no pano e no modelo, quero uma coisa bem bonita e chamativa. Dona Narcisa foi logo dizendo:bem, eu não sei fazer essas roupas chics, não senhora, minha costura é simples, por isso estou preocupada e conversei com comadre Didi, ela me disse que - chegou um costureiro da cidade, parece que é o filho de Dona Miloca, ele foi embora daqui ainda garoto e agora voltou cheio de estudo e parece que é especialista em costura de roupa de festa, então pensei!!, porque que a senhora não fala com ele, pode ser que até lhe dê uma idéia do pano e tudo.
, Felisberto, era o nome do tal costureiro novo da cidade e ouviu as ideias de Dona Cândida sobre o tão comentado vestido e olhando bem para a senhora disse: - olhando bem para a senhora, assim alta, esguia, um ótimo tipo para fazer-se um belo modelo; - ao ouvir – “um belo tipo”, Dona Cândida ajeitou-se na cadeira lisonjeada e abriu um largo sorriso, deixando a mostra seus dentes amarelos e cheios de falhas. Felisberto que estava preocupado em como fazer a roupa, mas viera disposto a tirar algum dinheiro da simplória mulher, percebeu que não ia ser tão difícil.
Foram a uma loja de tecidos da cidade e compraram um pano brilhoso, na cor vermelha, tipo um lamê, muito usado no carnaval das cidades grandes. Felisberto então começou a confeccionar a sua obra de acordo com as ordens e o gosto da Dona Cândida.
Chegou finalmente o tão esperado dia, Dona Cândida, desde cedo, nervosa, não via a hora de vestir o seu precioso vestido. Havia pedido insistentemente a Felisberto que fosse com ela ao baile, ela fazia questão de circular pelo salão com o criador da mais bela obra, para ela, da cidade, mas o farsante costureiro, já bem garantido financeiramente, e sabendo do fiasco que seria o tal baile, havia comprado passagem para ir embora assim que o baile começasse. Em seu quarto vestindo o vestido, que era um modelo reto, justo no corpo, deixando Dona Cândida parecendo mais uma lingüiça vestida para um desfile de escola de samba, com duas alças finas deixando a mostra seus braços finos e enrugados, nas costas um decote pronunciado deixando a mostra suas costas magras, enrugadas, com as costuras tortas e franzidas A saia terminava com um babadão abrutalhado e assimétrico. Na cabeça de cabelos arrepiados e emaranhados ela amarrou uma faixa, dando um laço em cima da cabeça e deixando as pontas caírem para os lados e após pintar-se em demasia e colocar colar e brincos de absurdo mau gosto, Dona Cândida parecia uma horrível e ridícula caricatura . Mas, ao olhar-se no espelho ela viu uma mulher lindíssima.As vizinhas estavam a espera para ver o resultado de tanto trabalho e gasto, todos ficaram estupefatos, mudos, em estado de choque ao verem uma figura tão feia, mas, apenas soltaram algumas exclamações de espanto foram para suas casas.
Dona Cândida seguiu para o baile, ao chegar na porta do clube estava muito emocionada, chegou a sentir uma pontada no peito, mas, firmou-se nos saltos do sapato que a estavam matando de dor nos pés e tropeçando adentrou a porta principal, estremeceu quando todos viraram-se para olhar para ela e em seu devaneio viu que todos a aplaudiam a aclamavam a mulher mais fina e bem vestida do baile, a dor no peito aumentara, ela estava tonta, rodopiou e caiu, alguém correu abaixou-se colocou a mão em seu coração, ele havia parado mas ela estava sorrindo, morrera feliz e não vira o quanto todos riram dela.