Não devemos nos preocupar com a chuva
Começou a chover forte no Rio de Janeiro.
A avenida Rio Branco logo tinha poças distribuídas nas suas várias irregularidades e a sujeira corria para as suas sarjetas em velocidade. Os homens e mulheres caminhavam evitando se molhar mais que o inevitável, esbarrando guarda-chuvas e sombrinhas, enquanto mantinham a esperança de atender aos horários dos seus compromissos.
A chuva não aliviava o calor, mas o potencializava com o aumento da umidade. No ônibus a parceria dos dois era ainda mais evidente. A chuva mantinha as janelas fechadas e o calor se esbaldava no seu interior entre as pessoas que se apertavam. O suor escorria por baixo das roupas que estariam elegantes se a temperatura fosse de inverno.
Os dois desceram do ônibus e o primeiro comentou:
- Droga de chuva!
- Não deveríamos nos preocupar com a chuva - respondeu o segundo.
- Por que não?
- A chuva já estava aqui muito antes do primeiro homem e ainda estará muito depois do último. Ela é natural para nós e, do ponto de vista da Terra, mais natural do que nós.
O outro exclamou uma longa lista de palavrões e maldições para a chuva, mas também por ouvir comentários como aquele. Ao que o seu companheiro continuou:
- A chuva é que deveria se preocupar conosco...
Mais uma seqüência de palavrões.
A chuva, que a tudo ouvia, refletiu sobre o diálogo que presenciara, mas não tinha certeza sobre com o que deveria se preocupar. Pensou e não conseguiu chegar a uma conclusão.
Por via das dúvidas, ela se fez particularmente forte naquele dia, só para mostrar poder, e alagou a cidade.