O salto salvador

luizcarloslemefranco

Três amigos pescadores certa feita passaram por aventuras nunca dantes imaginadas.

Saíram como o corriqueiro na vida deles, num domingo de madrugada para irem ao rio Largo pescar.

Prepararam o jeepão com as coisas comuns, vestiram suas calças de brim especial, calçaram as botas de cano alto porque iriam andar em mata, apanharam cada qual sua tralha, checaram as lanternas e as armas que levavam. Dois deles, casados, despediram-se das respectivas esposas e um da filha também.

Abasteceram, compraram algum mantimento e partiram, junto com o Sol. Andaram muitos quilômetros rumo ao interior do município com um tempo que não se aprestava muito animador: nuvens, embora esparsas, escuras, um vento mais forte que o de sempre. Mesmo assim, pois fazia muito tempo que não se enturmavam, rumaram à sua seva, alegres, cantando, falando de mulheres e de futebol, como sempre faziam.

Após hora de estrada, chegaram, sem contratempos, ao local, tiraram uma touceira de mato daqui, aplainaram ali, socaram algo lá. Armaram uma barraca, passaram protetor solar.

Posicionaram-se após despejarem um farelo amarelado, especialmente preparado para a ocasião, numa curva fechada do Largo. Fincaram seus caniços no barranco, o mais novo deles estendeu uma pequena rede, enquanto um dos outros montou uma armadilha para algum coitado pássaro. Beberam algo.

A pesca rendia. O passatempo avançava sem que eles atentassem-se, novamente, com o tempo , que evolui para uma chuva forte, com um vento agitado que começava a incomodar. Num repente, suas arapucas foram desarmadas com facilidade, as varas de pesca não se afirmavam no solo – duas quebraram-se – o terreno ficou muito alagadiço, o rio Largo tornou-se violento, as margens onde estavam submergiram e tiveram eu recuar com os apetrechos por mais de uma vez. Preocupados, bastante, até que enfim, assustaram-se. O temporal os impedia de saírem dali agora. Teriam que esperar. Salve Deus.

Claro, suspenderam a pesca e abrigaram-se , mal como podiam, ao lado de um barranco instável, mas que lhe pareciam firme ainda, próximo de onde estacionaram a viatura.

Esperaram. Esperaram. Contra o tempo, preocupados com a família sem ninguém com quem contar com ajuda, o medo chegou. O desespero quase. O dia passou, acabou a merenda, os peixes que fisgaram foram-se, escureceu e a chuva não fazia mostra de cessar. Precisavam voltar. Como? Tudo alagado, o carreador desaparecido, impossível transitar, mesmo com um 4 X 4 alto como o que usavam e que estava quase totalmente invisível na tempestade. A coragem deles não mais existia. O rio e as matas das margens já não se separavam. Eles já não se controlavam e cada qual procurava uma saída individual.

Abriu-se uma larga avenida de lama entre o carro, a poucos metros dali, e o riomar. les estavam vulneráveis, sendo levados à mercê das águas. Viram o fim.

Um deles já não estava mais por perto, o solteiro: conseguiu com grandíssimo esforço, ousadia e sorte, mais levitando nas águas que nadando, enroscar-se em alguns galhos que lhe passaram sobre o agora caudaloso rio/lago e flutuar, com muita dificuldade, até que encontrasse muitos metros á frente, árvores, e numa fúrcula de troncos de uma se agarrou e ficou.Não mais viu os companheiros. Chamou, gritou por eles. Orou. Eles se foram. Passou a noite ali, agarrado.Não dormiu.

Amanhecendo, as forças da natureza diminuíram, de intensidade, embora chovesse muito, ainda. Esperou por horas que o fluxo de lama diminuísse, sem observar isto.

Já mais claro, dia andando, o sobrevivente percebeu uma vala de metros de largura, ainda com muita corredeza, entre o local que estava a árvore sua salvadora e o barranco vizinho - estava ilhado. Faminto, solitário, apavorado, foi percebendo que mais um dia se passava e que a chuva não lhe daria trégua. Não havia alternativas. Sabia que precisava sair dali por si próprio. Não havia como e nem a quem pedir auxílio.

Mais desesperado que ousado, agora, resolveu pular o mais próximo do barranco e nadar o que faltasse. Concentrou-se. Deu o seu salto mais longo, amplo. A distância era grande. No espaço e no tempo.

Não viu o outro lado. Morreu também.