O Dia
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"O tempo na minha consciência pulsava latente, porém, o meu corpo estava anestesiado. Os meus cinco sentidos, oscilavam entre a inércia e a atividade,contudo, a minha visão permanecia inalterada - nada eu enxergava. Ouvi comentários desconexos a respeito de minha pessoa, proferidos por vozes estranhas,desconhecidas. Alguém lamentava as minhas dívidas. As vozes soavam ao longe, como se eu estivesse num cômodo distante de todos. O meu corpo sentiu a pequena dimensão, de onde eu me encontrava, talvez. Fazia frio, era gélido o ambiente. Ouvi um som de uma gaveta se abrindo. Percebi que fui conduzido de um local para outro, sem muita distancia de onde eu estava. Ouvi sons pouco peculiares de instrumentos metálicos se chocando entre si, e uma tesoura, que parecia partir ossos. Os estranhos trocavam poucas palavras entre si. Falavam a respeito de cadáveres frescos,que precisavam de identificação para serem liberados. Adormeci mais uma vezo parecia não ter passado, quando despertei mais uma vez-a visão permanecia cega. Além do forte odor de flores, ouvia passos em volta de mim. Podia deduzir que eram de pessoas que usavam variados tipos de calçados. Sapatos masculinos, com som forte ao se chocar no assoalho. Sapatos femininos de saltos finos, Sandálias de arrastar e até passos de crianças. Algumas pessoas falavam consolo para os meus familiares. Indagava-me, o que estava acontecendo? Havia pego alguma doença rara, que imobilizava-me por completo, deixando o meu corpo inerte,estático? Não podia abrir a boca e pedir por socorro, dizer que estava vivo e bem. Não sentia dores, apesar de dado, momento ter parecido estar dentro de uma geladeira. Mais uma vez me senti sendo levado. Os passos eram lentos, como um automóvel senguindo em pouca velocidade. Então, nova pausa. Deram um discurso falando de minhas qualidades como ser humano. Ressaltavam a minha postura como pai de família. Pelo amor de Deus, parecia estar num enterro. Será que fui acometido de um mal súbito que me paralisou por completo e me deram como morto e estão me enterrando vivo? E eu não posso gritar, pedir por socorro. Não, por favor, não me enterrem, eu estou vivo.
Ouvi lamentações. E, logo em seguida o silêncio sepulcral. Eu estaria enterrado? Vivo? O desepero tomou conta de mim. Apaguei.
Acordei com os olhos sem nada enxergar. Ouvi vozes."
- Este chegou agora...
- Como os demais? Não sabe o que aconteceu com ele?
Riram, debochavam.
- Vamos acordá-lo e lhe informar de sua situação.
"fiquei confuso, quando para minha surpresa, ouvi a voz de minha esposa."
- Chame o seu pai...
- Ele está morto, mamãe.
- Que é isso, menina? Chame o seu pai, ou vai se atrasar.
"Ouvi os seus passos, leves, estava descalça, talvez."
- Papai, acorde. Eu preciso ir para a escola e o senhor parece morto...
"Ela insistia,como sempre. Porém, naquele momento poder ouvir a sua voz meiga e infantil deu-me tamanha alegria que lágrimas verteram pelos meus olhos molhando a minha face."
- Papai, acorde...
"Ela insistia."
- Quem é ela?
"Indagou um dos estranhos, com a sua voz rouca."
- A filha dele.
"Riram, com deboche."
- Filha, acorde o seu pai,senão vamos todos atrasar...
- Eu estou chamando, e não quer acordar, mamãe, acho que ele está morto, ja disse.
"Os dois estranhos, não sei o que faziam ali perto de mim, e de minha família, mais uma vez riram."
- Papai, acorde.
"Quando ouvi a voz de minha queridinha, com espasmos de choro, um milagre aconteceu. Abri os olhos e a minha visão se normalizou. Então, vi o teto do meu quarto. A janela aberta, era um dia de sol. A minha filha estava ali na minha frente, com o seu pijama rosa, e tinha o seu ursinho numa das mãos. "
- Papai, até que enfim, acordou. A mamãe me pediu para te acordar, pois, tem que me levar para a escola, ja estamos atrasados.
"Abracei-a, chorando.
E, pude ouvir as vozes invisíveis dialogando."
- Ele estava vivo?
- Sim, era um pesadelo. Não entendo como participamos desse seu sonho sinistro. A coisa parecia tão real, e estávamos inseridos nele, como num filme.
- Verdade. Será que não seria o prelúdio para o seu dia que estar para chegar...?
FIM