O SORRISO HEDIONDO DA MÁSCARA
Acordou com uma máscara grudada ao rosto e não a conseguiu tirar. Não se lembrava de haver posto máscara nenhuma antes de dormir. Ontem fora um dia agitado: acordou, estudou, trabalhou, chegou em casa e capotou sobre a cama. Então de onde raios surgira aquela máscara?
Sentou-se. Sua cama era dura como pedra, mas boa para a coluna. Esticou-se, bocejou, foi se acordando na esperança de que sua memória voltasse. E voltou, parte dela. Ele havia sonhado durante a noite com uma máscara vermelha, rústica, de madeira, com adornos selvagens de tribos antigas e – o que vem a seguir lhe causava bastante desconforto – um grande sorriso de orelha-a-orelha. No sonho, observou por longo tempo o objeto. Depois aproximou as mãos, segurando-o e o colocou sobre o rosto. Sentiu o quão pesada era. Usou máscaras diversas por toda a vida: no emprego, em casa, na faculdade, na mesa de sinuca... Mas esta, esta era diferente. Respirou fundo, uma respiração quente. A máscara lhe apertou crânio até estalar os ossos.
Nada daquilo fazia sentido. Afastou as cortinas. Os raios de um sol nascente afagaram seu rosto. Ou assim o fariam se não estivesse usando uma máscara. Estranho, cada vez mais estranho! Definitivamente havia algo de errado naquela manhã. Talvez estivesse sonhando. E se estivesse, não acordou. A percepção do falso nem sempre desperta aquele que a percebe.
De frente para o espelho, pôde ver o vermelho e o sorriso de orelha-a-orelha sobre seu rosto. Não combinavam com o habitual semblante que via em meio à parede de azulejos brancos. Abriu a torneira e fez uma concha com as mãos. A máscara, no entanto, não tinha buraco na região da boca. Sentiu seu bafo, preso, abafado. Não poderia escovar os dentes naquela condição. As gotas escorreram da madeira pintada em escarlate e pingaram sobre o tapete do banheiro.
No corredor, encontrou a irmãzinha. Ela soltou um gritinho de horror. O novo semblante do irmão era terrível. Recuperada do susto, voltou o rosto furioso para ele e começou a bater no seu peito perguntando em tom nervoso e frenético por que ele tinha que a assustar tão cedo. O homem de máscara saiu sem nada dizer.
Tentou e tentou tirá-la várias vezes. Sem resultados. Sua mãe se preocupou. Seu pai fungou: “O menino quer chamar atenção”. Tentou e tentou tirá-la. As pessoas o olhavam na rua. A chefa o mandou de volta para casa. Ele não sabia o que o futuro lhe reservaria após esse incidente. Tentou tirá-la. A maldita máscara, essa maldição nunca o deixaria. Surgira de um sonho – ou pior, de um pesadelo – e teimava em arruinar sua vida real. Ou quem sabe não fora implantada por um Outro? Mas por que não conseguia retirá-la? Não sabia por onde começar, muito menos por onde terminar. As pernas o levaram pela cidade. Ruas, becos, lojas, prédios, casas, bancas de revista, carros, motos, pedestres, bares, restaurantes... Tudo passou muito depressa. Logo o sol se pôs. Depois de muito vagar por aí, chegou cansado e atirou-se na cama, dormindo um sono sem sonhos.
Acordou. Sentiu os raios de mais um sol nascente afagando sua face. Era uma sensação gostosa. O melhor era o fato de que isto confirmava o fim dos seus problemas. Dedilhou a pele sobre o rosto. Não sentiu a máscara. Enfim, livre! De um salto, deixou a cama. Correu ao espelho. Reconheceu novamente sua boa e velha face. Mas havia um detalhe a mais o esperando: o sorriso de orelha-a-orelha ficara.
Conto publicado em jornal em 2013.