Solidão em Manhattan - Parte 2

Victor havia adormecido no sofá da sala de estar do apartamento de Annie. Seus sonhos foram repletos de imagens surreais, na maioria das vezes, era visto pessoas fugindo sem dar qualquer explicação.

Há algumas horas atrás, o rapaz acreditava ter tido uma das melhores noites de sua vida – ele havia ficado com uma das garotas mais lindas da universidade Columbia, porém, depois disso, só houve confusão: a sua tão cobiçada Annie havia ido embora com seu melhor amigo. Victor não sentia raiva de nenhum dos dois. Se eles fizeram aquilo, pensava, era por que tinham fortes motivos. No entanto, ele queria ter explicações. Victor ficou de pé e examinou novamente o porta-retrato com a fotografia em preto em branco. A olhar o deixava mais confuso do que estava. “Não faz sentido.”.

Annie dissera para ele ficar morando no apartamento dela por enquanto. Seus sentidos o aconselhavam a não ter sentimentos otimistas em relação a nada. “Se a partida não foi boa, o regresso será pior ainda”. Porém, Victor iria obedecer ela e ficaria ali, só voltaria a seu apartamento para pegar seus materiais de estudo. Sentia que deveria cuidar daquele local enquanto eles dois não voltassem. Victor sabia que, pelo menos Josh, não era louco o suficiente para ficar muito tempo fora por causa de alguma aventura.

A manhã estava ensolarada na Avenida Claremont enquanto Victor a percorria. Queria logo achar algum ônibus que o levasse a seu apartamento para que pudesse pegar seus livros e cadernos – o garoto já estava atrasado para sua aula. Depois de aproximadamente meia hora, ele andava rapidamente pelos corredores da universidade. Quando entrou na sala o professor já estava nela e para a sorte do rapaz, ele escrevia no quadro magnético de costas para o restante da turma, não vendo assim, Victor entrar furtivamente.

- Onde está Josh? – Alguém perguntou. Ele olhou para o lado e viu Steve o encarando. – Aquele cara nunca faltou uma aula sequer.

Victor não queria falar sobre aquilo. Queria apenas esquecer do que aconteceu e alimentar alguma esperança vazia sobre o que havia ocorrido. Chateado, Victor respondeu sussurrando:

- É complicado cara. Nem eu sei por que ele não veio.

- E onde é que ele deve estar?

- Não tenho a mínima ideia. – Concluiu Victor.

Escutando apenas o som dos carros e algumas conversas de pessoas que passavam na calçada em frente ao prédio, Victor estava sentado no sofá onde havia dormido na noite passada contemplando o triste fim de tarde. As provas finais estavam se aproximando, mas o rapaz não sentia vontade de estudar, na verdade, não sentia vontade de fazer nada. Queria apenas ficar ali e esperar. Victor sabia que com o passar dos dias esta atitude não iria mais fazer sentido. Ficava imaginando o que falaria aos pais de Josh no caso de ele sumir de vez e se perguntava qual seria a reação deles. Não seria fácil.

Os dias de Victor foram assim por pelo menos quatorze dias - acordar, ir para as aulas, voltar ao apartamento de Annie, sentar-se no sofá onde dormia todas aquelas noites e refletir. Porém, depois de um dia inteiro de estudos, Victor encontrou um jovem loiro sentado no sofá. Os dois se assustam simultaneamente.

- Quem é você? Como entrou aqui? – Perguntou Victor.

- Tenho a cópia da chave. Onde está Annie? – O rapaz loiro o olhava com desconfiança.

- Por que você quer saber?

- Por que sou o irmão dela!

A informação demorou mais tempo que o normal para ser digerida. Victor fechou os olhos com força e desabou no sofá em frente ao irmão de Annie. Sua mente trabalhava na tentativa de encontrar palavras eficazes para explicar tudo que havia acontecido.

- Ela foi embora com meu melhor amigo e disse para que eu ficasse aqui.

O jovem loiro, estupefato e descrente, encarava Victor fixamente.

- Você só pode estar brincando.

- Estou falando sério, infelizmente. Tenho certeza que o motivo para eles fazerem aquilo foi aquela fotografia. – E apontou com o dedo para a estante ao seu lado.

O irmão de Annie olhou para onde Victor apontava.

- Oh meu Deus... – Ele olhou para Victor mais assustado do que estava. – Sabe se teu amigo tinha uma fotografia igual a esta?

- Não sei, mas por quê?

O jovem levantou-se, andou em direção a estante e apanhou o porta-retrato. Ele ficou olhando ela como se já tivesse a visto várias vezes.

- Existe uma história sobre essa fotografia. Ninguém sabe se é verdadeira, mas os poucos que acreditam, acreditam mesmo. Na verdade, acho que posso contar nos dedos de uma só mão, quantas cópias dela existem no mundo. A Annie, quando tinha uns quatorze anos de idade, chegou em casa com ela. Não demorou muito tempo para que sentisse uma admiração voraz pela fotografia. – Ele olhou para o teto, pensativo. – Chegava a ser doentio. A questão é que a história por traz da imagem não é nada muito louco, não para um filme. Um dia a Annie me explicou tudo. Ela disse que o casal na foto tinha se conhecido acidentalmente, se apaixonaram e resolveram fugir. Eles não tinham um destino, apenas ficariam no mundo vagando por aí e aproveitando a vida como ninguém tinha coragem de aproveitar. Isso meio que virou uma ideologia para ela. Annie dizia que a fotografia significava a liberdade. Os anos se passaram e ela foi para a faculdade, eu imaginava que aquilo era algo de momento, coisa de adolescente, mas acho que me enganei.

Naquele instante, várias coisas começaram a fazer sentido para Victor. Agora ele tinha uma idéia de o porquê de eles terem feito aquilo. Sentiu-se um pouco indignado. Era algo totalmente irresponsável e infantil o fato de Josh e Annie terem ido embora por uma ideologia de liberdade que nem confirmada era, e se fosse, ainda não haveria motivos para tanta estupidez, pensou ele.

- Então você está dizendo que eles fugiram apenas por que compartilham do mesmo sentimento que a fotografia proporciona?

- Exatamente.

Victor suspirou e apoiou a cabeça em uma de suas mão, escondendo os olhos, seu cotovelo apoiado no braço do sofá.

- O que é que posso fazer então? – Perguntou ele mais para si mesmo do que para o irmão de Annie.

- Esperar. Apenas esperar.

Ao escutar aquilo, Victor sentiu vontade de ingerir alguma bebida alcoólica. Ele ficou de pé e caminhou até a cozinha. Abriu a geladeira e pegou duas garrafas de cerveja, uma para ele e outra para o garoto que até aquele momento, ainda não havia se apresentado formalmente.

- Cara, eu sei que a gente começou com o pé esquerdo e que a situação está difícil – dizia Victor em voz alta para que o outro pudesse escutá-lo. Ele fechou a porta da geladeira e começou a caminhar até a sala de estar. – Mas essa é uma boa hora para relaxarmos e pensar no que devemos fazer para tentar resolver alguma coisa. Meu nome é Vi...

O rapaz parou de falar e caminhar abruptamente ao ver o irmão de Annie se debater violentamente no chão. Seus olhos estavam revirados e ele babava descontroladamente. Victor ficou apavorado. Ele deixou as bebidas em cima do balcão e correu para fora do apartamento. Apertou varias vezes a campanhia do apartamento a sua frente até que uma jovem garota de cabelos negros e cacheados abrisse a porta.

- Algum problema? – Perguntou ela, assustada.

- Tem um cara sofrendo convulsões no apartamento da Annie, sua vizinha. Acho que deve ser epilepsia. – Explicou Victor rapidamente. Seu corpo inteiro estava febril e sua testa estava encharcada pelo suor.

A garota olhou por cima do ombro de Victor para ver o apartamento. Ela correu para ele, entrou e começou a vasculhar os armários e gavetas.

- Vinagre. Onde está o vinagre?! – Ela abriu a geladeira e pegou um frasco. Abriu a pequena tampa e correu em direção ao irmão de Annie que ainda se debatia sem controle. Ela aproximou o frasco com a tampa aberta do nariz do garoto que, com o passar dos segundos, começou a relaxar até finalmente ficar parado.

Um silêncio pesado invadiu o local. Victor e a garota com cabelos negros ficaram olhando para o jovem loiro deitado sobre o carpete pardo, esperando uma resposta. Não demorou muito e ele abriu os olhos, lentamente.

- Aconteceu de novo. – Disse ele. O rapaz sentou-se e olhou para o chão, parecendo muito cansado. Seus cabelos estavam totalmente bagunçados e seu rosto extremamente corado. – Acho que preciso ir para minha casa.

Ele ficou de pé, começou a caminhar e saiu do local. Restou apenas Victor e a garota na sala de estar.

- Muito obrigado – agradeceu ele.

- De nada. – disse ela com um sorriso forçado em sua face. – Se precisar de algo é só me chamar. – E foi embora.

Victor caminhou até a porta e a fechou. Ele se virou e olhou a bagunça que o irmão de Annie havia deixado. Arrastando as costas na porta, Victor sentou-se no chão, baixou sua cabeça e a colocou entre os joelhos.

Ele sabia. Estava chegando a seu limite.