Perguntadores

Chegaste. O banco era estreito para nós dois mas, ainda assim, sorrimos um para o outro. A viagem seria muito longa e o autocarro estava lotado. Cada um de nós ficou, em silêncio, a olhar a paisagem pedregosa e seca. Durante muito tempo só pelo canto dos olhos nos apreciámos. As nossas coxas tocavam-se mas a sensação que colhi foi desagradável. Tentei evitar o contacto mas isso iria cansar-me excessivamente e o calor pedia imobilidade. Desisti e abandonei-me. Muito ousada para o meu gosto, perguntaste: - É casado? Poder- te –ia responder à letra, dizer que não era da tua conta mas limitei-me negar com a cabeça. Fechei o rosto mas isso não te travou a segunda pergunta: - Vai até ao fim da linha ou fica antes? Embaraçado disse-te o meu destino e, puxando o chapéu para o rosto, tentei dormir. Fizeste o mesmo e, pouco depois, estávamos encostados um ao outro como velhos conhecidos. Rapidamente aprendi a tua anatomia na zona de contacto e, mais que isso, senti-te a respirar no meu peito, a mão abandonada na minha perna e um ar de serena tranquilidade. Quando acordaste não pediste desculpa pelo abuso e desferiste outra pergunta: - É homem para uma aventura ou todas as suas amizades são a sério? Olhei-te e preferi não responder. Rodávamos há cerca de três horas e eu começava a ficar intrigado com a companhia. Decidi fazer, como tu, perguntas. Inquietantes. Não tinha a menor curiosidade mas empolgava-me a tua aflição para dar respostas coerentes. – Se pudesse viver noutra cidade qual escolheria? Porquê? Acha que aqui será mais difícil arranjar casamento? Tem uma ideia precisa do homem ideal? Caibo nesse esquema? Seria interessante para si conhecer-me na intimidade? E ficava deliciado a ver-te esbracejar para ser natural, coerente, normal. Foi fantástico perceber que coravas ou empalidecias no esforço de controlar a raiva e a impotência. Na primeira paragem tentaste, em vão, trocar de lugar e acabaste por regressar, impaciente, ao nosso banco. A viagem demoraria mais meia dúzia de horas e eu pus-te à prova. Perguntei tudo, perguntava sem mesmo esperar pela resposta, apenas para me divertir. De caçadora passaste a mulher caçada. A possível intimidade perdeu-se definitivamente e foi com alívio que saíste do veículo sem sequer te despedires. - Voltarei no autocarro das 18 horas na próxima terça-feira. Vai fazer-me companhia? Perguntei e tu respondeste, furiosa: - Nem morta!

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 03/03/2013
Reeditado em 26/08/2014
Código do texto: T4169939
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