Um conto em 30 minutos
Recebi um convite para escrever um conto, mas é sabido por todos que escrevem que um conto não se faz assim tão de repente. Para escrevê-lo é necessária alguma inspiração e até mesmo uma história convincente com início, meio e fim, e com todos os ingredientes inseridos num curto espaço de tempo.
Para escrevê-lo apresentei-me no local indicado, sendo levado rapidamente por uma mulher, a um lugar que logo de cara não gostei. Atravessamos uma rua e subimos por uma escadinha apertada e íngreme. Havia pouca luz, mas a tal mulher parecia já estar acostumada, e assim mesmo pediu para subirmos mais rápido, pois o local seria utilizado por outra pessoa em questão de minutos.
- Senhor José, o seu tempo é curto e só tem 30 minutos para terminar.
- Obrigado moça. Vou fazer o melhor que posso. – respondi sem muita convicção.
Atravessamos um pequeno corredor e a moça que me conduzia abriu uma porta e me chamou para entrar. Meu sexto sentido ficou de prontidão, pois o quarto estava meio bagunçado e com pouca iluminação, mas acabei me sentando numa cadeira bamba.
A janela do quarto ainda era daquele tipo antigo, de madeira veneziana. Havia uma pequena cortina entreaberta, que balançava com o vento que soprava pelas frestas da janela. Para dizer a verdade, não consigo definir até hoje a cor da bendita cortina.
O chão do quarto estava coberto de pontas de cigarro, e antes de começar a fazer algo produtivo senti um cheiro horrível permeando todo o ambiente.
Confesso que jamais imaginei que um ser humano pudesse habitar aquele lugar fétido e imundo. Ainda mal humorado, levantei-me para verificar melhor o que era tudo aquilo, mas ao dar os primeiros passos esbarrei numa garrafa de cerveja. Mais alguns passos e deparei-me com um banheiro sujo, parecendo uma latrina. Creio que se ali vivesse um suíno, com certeza estaria envergonhado com aquela pocilga.
Não tive alternativa, retornei e sentei-me naquela cadeira cambeta. A máquina de escrever até que era de boa qualidade, e a mesa estava farta de papeis e folhas em branco, mas a lâmpada que iluminava o local estava quase queimando.
Nesse dia estava chovendo muito e podia ouvir claramente os trovões fazendo aquele barulho intermitente e causando pavor nos meninos que estavam do outro lado da rua. Os raios cortavam o céu de maneira assustadora, e como um pobre mortal que sou, achei que o pequeno edifício poderia ruir se mais algum raio ou trovão caísse ali por perto.
A promessa de chuva pesada me deixou arrepiado. Eu precisava tentar me concentrar em outra coisa antes de começar a escrever. Levantei-me para ligar um ventilador que estava em cima de um pequeno móvel, e deparei-me com algo se mexendo no chão do quarto imundo, bem ao lado de uma cama improvisada. Resolvi não dar a mínima importância, afinal, tudo aquilo era inverossímil e pus-me a colocar o papel na máquina para dar início aos trabalhos.
Após alguns minutos terminei o conto, levantei-me da cadeira e saí do quarto às pressas, já que meu tempo havia terminado, porém, ao dar início à fuga do calvário momentâneo, vejo uma moça com vestido muito curto subindo apressadamente a escada. Ao passar por mim senti seu perfume envolvente e disse a ela.
- Moça, se você também vai escrever alguma coisa, tome cuidado! – disse preocupado.
- Por que devo tomar cuidado? – respondeu ela com um sorriso.
- Isso aqui é um lugar horrível. Se soubesse que era assim jamais teria vindo. – falei com certo ar de sabedoria.
Ela não ligou e prosseguiu subindo a escada. Quando eu já estava quase chegando ao fim, ela me chamou e disse:
- Por acaso o senhor viu algo se mexendo no quarto?
- Eu vi algo se mexendo. Parecia uma pessoa. – afirmei com certeza.
- Não se preocupe senhor, era apenas um cliente.
Aquela resposta revirou minha cabeça e me deixou revoltado. Afinal, como alguém teve a coragem de pedir para escrever um conto num quarto furtivo para encontros amorosos?
Mais tarde soubera por amigos que outros também foram convidados a escrever na mesma situação. E que o corpo estendido no chão ao lado da cama, era o de um escritor que ali permaneceu o tempo todo para observar a reação de cada um.
Após alguns meses a mídia literária noticiou o lançamento de um livro de contos e crônicas que fez muito sucesso na época. Folheando as páginas do mesmo, observei que meu nome estava inserido na condição de coautor. Confesso que fiquei um pouco aborrecido por ter sido usado naquele experimento, que para mim era inédito, mas hoje me orgulho em dizer que mesmo sem saber, acabei participando de um grande livro de contos e crônicas chamado Um conto em 30 minutos.
Fim