Livre-arbítrio

Cravaram a pesada cruz no buraco, que então ficou de pé no alto do Monte. Preso a ela estava Jesus, castigado, fatigado, esgotado. Mulheres e discípulos choravam aos seus pés, sob o olhar atento e desdenhoso dos centuriões romanos.

Não havia mais nada a fazer, a não ser esperar pelo desfecho. Afinal, sabia Ele, tudo fazia parte do plano.

De repente, um vulto apareceu no céu, fazendo sombra no chão. Um homem, assombrosamente, sobrevoava o Monte. Segundos depois ele pairou sobre a cruz, deixando atônitos todos os que acompanharam o calvário e ali estavam a esperar pelo suspiro derradeiro e inevitável do Mestre. A luz do sol os cegou por alguns instantes, mas logo os discípulos mais próximos puderam discernir a quem pertencia aquela silhueta fantástica: era Pedro.

Flutuando no ar, a uma altura suficientemente longe do alcance das espadas e lanças inimigas, ele habilmente desatou as amarras do crucificado, e cuidadosamente retirou os pregos fincados em suas mãos.

Jesus, tomado pela surpresa, mas sem forças para esboçar qualquer reação, apenas balbuciou:

_Pedro, que fazes?

_Vim salvar-te, Senhor!

Quando o corpo tombou para frente, Pedro agarrou e o tomou em seu colo. O Mestre, quase sem forças, sacudiu a cabeça em tom reprovador.

_Mas, como podes?...

Carregando o Homem nos braços e alçando um voo ainda mais alto, Pedro amavelmente respondeu:

_Senhor, me ensinaste a andar sobre as águas com o poder da fé. É por esta mesma fé que agora venho pelo ar para salvar-te.

Jesus, impotente, só pode desviar o olhar para o chão e ver, ao longe, o semblante estupefato daqueles que presenciavam aquele verdadeiro milagre. Depois, retornou os olhos para o céu e desabafou:

_Pai, afinal, qual era o Vosso plano?

E nesse instante, lá no Alto, anjos e santos ouviram alarmados o lamento profundo de Deus. O livre-arbítrio dado ao homem havia, mais uma vez, posto tudo a perder...