JOSÉ J. VEIGA
Os cães apareceram à tarde na pequena Uçurucu. Rosnavam pelas ruas, perseguiam gatos, esmagavam frangos com os dentes. Os homens se armaram. Espingardas e foices nas mãos, orações nos lábios e a pergunta: de onde vieram os cães?
Manuel Só foi atacado. Com medo, os homens se esconderam. Dona Guida Aracaju não temeu. Terçado na mão, correu para salvar o louco da aldeia. Matou dois cães e os outros a cercaram, respeitosos, temerosos. Ela levantou o louco e seguiu para a sua cabana.
Na manhã seguinte, não havia mais cães, só os sarnetos de sempre, os inocentes. As pessoas saíram. E a cidade fedia a fezes de cães. Dona Guida Aracaju havia limpado as feridas de Manuel Só e o prefeito de Uçurucu decidiu chamar os vereadores para discutirem uma estratégia que impedisse o ataque dos cães malditos. Todos discutiram e falaram e brigaram e o pastor Adriano disse que aquilo tudo era sinal do fim dos tempos, no que foi repreendido pelo padre Ariosto, que afirmou desconfiar da ação dos estrangeiros que haviam construído uma estranha fábrica no alto da Colina da Marinalva. O prefeito disse que não, que não podia ser um ataque estrangeiro e o carroceiro Everaldo, que não saía mais da fábrica, disse que os estrangeiros eram silenciosos, um tanto estranhos, mas incapazes de fazer mal a alguém.
O dia inteiro, discussão. Veio a noite e a possibilidade de um sono reparador.
Dona Guida Aracaju não dormiu. No meio da madrugada, um rugido a assustou. Seriam os cães? Ao abrir a janela de sua cabana, a velha viu um rio se movendo, um rio de semoventes, um rio de peles. O ar ficou empesteado de uréia. Uma manada gigante de bois e vacas havia invadido Uçurucu.