Assédio Sexual
Miguel não conseguia mais concentrar-se em seu trabalho de administrador. Um entra e sai de pessoas e uma infinidade de afazeres perfazia a sua rotina, mas, nos últimos meses vinha sendo tomado por um sentimento, para ele, na condição de homem casado, dificílimo de superar. O escritório compunha-se de seis mesas grandes, bem distribuídas numa enorme sala. Com o objetivo de desviar seus olhos de Sara, conseguiu Miguel, ajudado pela simpatia que já conquistara do Dr. Clécio, implantar baias, o que tornou o ambiente, se não aconchegante, muito mais organizado e aprazível.
É claro que ninguém desconfiava desta fraqueza de Miguel. Tentava, por todos os meios possíveis, disfarçar os olhares que, incontroláveis, eram lançados sobre ela no vaivém interminável de sua passagem no corredor à frente de sua mesa. A porta não podia ser fechada, caso contrário, o faria com um prazer forçado, mas salvador de sua reputação. O perfume agridoce, vindo da baia ao lado era um sinal perturbador de sua proximidade. Nas horas do dia em que não a via, satisfazia-se com aquele aroma arrebatador e torcia para que, numa visão de raios x, pudesse atravessar a divisória e perscrutar, também através das vestes enlouquecedoras, a intimidade daquela mulher que o estava enlouquecendo.
As semanas se passaram sem que muita coisa houvesse se alterado, a exceção da paixão de Miguel. Em casa, com a mulher, procurou ele não alterar sua rotina de atenção, carinho e de todos os cuidados de um bom marido para que não houvesse o mínimo de desconfiança por parte de Tereza, sua esposa de quase quinze anos de vida em comum. Se houve um casamento que deu certo para Miguel foi este com Tereza. Se dependesse de sua situação financeira e beleza física - embora não fosse de todo feio - jamais conseguiria o que conseguiu com esta união. Se o interesse andou na frente das intenções de Miguel para juntar-se a nada bonita Tereza, poder-se-ia dizer o mesmo de outras mulheres, nada feias, que se insinuavam para cima dele. Sua condição financeira era, se não invejável, mais do que admirada; diria que, femininamente, cortejada.
Uma manhã de segunda-feira foi encontrar os dois, Miguel e Sara, na frente do delegado de polícia. Ele estava sendo acusado, por sua auxiliar, de assédio sexual. Um ao lado do outro, em suas cadeiras, lançava, cada um, suas justificativas referentes ao que vinha ocorrendo. Sara, super exaltada, falava e gesticulava e, em altos brados, descompunha Miguel em todo resto de dignidade que tentava resguardar.
-Doutor, esta mulher está equivocada. Sempre a respeitei. Sou um homem casado e jamais traí minha mulher.
-Não acredite em nenhuma palavra do que ele diz, senhor delegado. Se ele realmente respeitasse a mulher, como diz, não passaria os dias me sussurrando gracinhas em pleno ambiente de trabalho e me fazendo convites indecorosos.
Em dado momento começaram a discutir, um querendo superar o outro em argumentos e alteando cada vez mais suas vozes, até que o delegado obrigou-se a deixar a sala para ir atrás de auxílio.
-Você sabe mesmo ser exagerada e soltar o desaforo quando quer - disse Miguel, olhando nos olhos verdes e penetrantes de Sara.
-Você ainda não viu nada.
-Poxa! Ainda vou ver mais?
-É só esperar; sei ser autêntica e verdadeira quando quero.
-Não dá para pararmos por aqui? Acho que já foi o suficiente.
-Não dá mais. Quando tenho um objetivo, vou até o final.
-Estou vendo. Acontece que, de acordo ...
Nisto, entra o delegado, interrompendo a conversa. Ao seu lado um policial com cara de poucos amigos e uma barriga proeminente. Após entrar e olhar para o casal com seriedade e desafio, esparramou-se no sofá, ao lado da porta, aguardando ordens superiores. Com o movimento que fez, percebeu-se o volume indiscreto de sua arma de fogo forçar a camisa e deixá-la exposta, exigindo respeito. Miguel pigarreou disfarçadamente.
-Vejo que estão mais calmos - falou o delegado enquanto voltava a se sentar. Trazia uma pasta espiralada a qual abriu, tirando dali algumas folhas que pareciam cópias de códigos e artigos de lei. Foi espantosamente claro e objetivo ao dar o seu veredito para o caso. Pelos gestos nervosos não queria mais perder seu tempo com aquele caso. O anseio deixava claro que outras obrigações o esperavam.
-Aqui tem o que precisam cumprir -disse, estendendo até as mãos de Sara uma folha de papel. A mulher examinou, exibiu um meio sorriso e dobrou a folha, guardando-a em sua bolsa. Miguel recebeu também suas orientações por escrito; tentou argumentar, mas foi interrompido antes que proferisse a primeira frase.
-Se quiser contestar procure um advogado; estou cumprindo o meu papel dentro da lei. -Sinalizou para o policial e deu por encerrados os depoimentos.
A explicação agora seria em casa. Dizer das razões de já se encontrar três dias afastado do trabalho, encontrar em Tereza palavras de conforto não foi tão difícil como deveria ser ou como Miguel julgou que seria. Tereza o amava e, na demonstração desse amor, buscava correspondência. O fato de Miguel trabalhar representava, menos do que necessidade, um tormento para Tereza que se desfazia em ciúmes. Há tempos vinha tentando convencê-lo a largar tudo e ficar com ela. Teriam, nas vinte e quatro horas do dia, todo tempo do mundo; um para o outro. Mas, se este era o sonho de Tereza, era, por outro lado, o tormento de Miguel. Perder a liberdade de suas conquistas amorosas não estava em seus planos. Amava o dinheiro de Tereza da mesma forma que amava suas aventuras fora de casa.
-Está precisando de alguma coisa, querido? -perguntou Tereza enquanto, ainda na cama, conversavam ao amanhecer do dia. - Sinto-o preocupado.
-Vou dizer a você o que realmente aconteceu.
Miguel contou toda a história. Desde o início, contou o ocorrido, terminando com a sentença do delegado após o depoimento das testemunhas que Sara conseguira apresentar.
-Oitenta mil reais é muito dinheiro, querido; nunca soube de uma fiança tão alta assim. -É claro que Miguel exagerou um bocado quanto ao valor.
-Não se preocupe, meu bem. Cumprirei a pena de prisão. Não precisa mexer no seu dinheiro. Afinal, três anos passam rápido, a gente nem percebe.
-De maneira nenhuma! Não suportaria ficar três meses distante do meu amado; quanto mais três anos!
-Mas, e o seu dinheiro? ...
-Não se preocupe. Afinal, não é tanto dinheiro assim ... quer dizer ... não deixa de ser uma graninha. Mas, é por você, pelo nosso amor. Depois, consigo recuperar isto com facilidade vendendo algumas de minhas ações.
-Você é a melhor esposa do mundo! -disse Miguel, beijando-a, dando início ao ato de amor matinal; este ela bem que mereceu.
De volta à repartição, a rotina de Miguel continuou a mesma, mas sem aquela secura pelos encantos da maravilhosa Sara. Trabalhavam, os dois, mais do que comportados; sem transparecerem o mínimo sinal do que havia entre eles.
-Você acha que precisava ser tão real? Nunca tinha visto ninguém representar tão bem -disse Miguel enquanto almoçavam e discutiam o sucesso do plano.
-É claro; não sei se os convenceria de outra forma menos realista.
-Está satisfeita?
-Totalmente! Você nem acredita. Esta grana fez a maior diferença na minha vida.
-E você, na minha; acredita?
-Está bem; vamos fingir que acreditamos. E a separação, quando vai ser?
-Espere mais um pouco. Preciso encontrar um bom motivo, o que não deve ser nada fácil em se tratando de Tereza.
-Se quiser, pode encontrar em mim um ótimo auxílio; duvida?
-Nem um pouco.
E não duvidava, mesmo. Agora, escolher entre a facilidade da vida abastada, mas sem amor, e o amor de Sara, embora inseguro, pelo que já fora mostrado, seria a verdadeira dúvida de Miguel daquele dia em diante.
Miguel não conseguia mais concentrar-se em seu trabalho de administrador. Um entra e sai de pessoas e uma infinidade de afazeres perfazia a sua rotina, mas, nos últimos meses vinha sendo tomado por um sentimento, para ele, na condição de homem casado, dificílimo de superar. O escritório compunha-se de seis mesas grandes, bem distribuídas numa enorme sala. Com o objetivo de desviar seus olhos de Sara, conseguiu Miguel, ajudado pela simpatia que já conquistara do Dr. Clécio, implantar baias, o que tornou o ambiente, se não aconchegante, muito mais organizado e aprazível.
É claro que ninguém desconfiava desta fraqueza de Miguel. Tentava, por todos os meios possíveis, disfarçar os olhares que, incontroláveis, eram lançados sobre ela no vaivém interminável de sua passagem no corredor à frente de sua mesa. A porta não podia ser fechada, caso contrário, o faria com um prazer forçado, mas salvador de sua reputação. O perfume agridoce, vindo da baia ao lado era um sinal perturbador de sua proximidade. Nas horas do dia em que não a via, satisfazia-se com aquele aroma arrebatador e torcia para que, numa visão de raios x, pudesse atravessar a divisória e perscrutar, também através das vestes enlouquecedoras, a intimidade daquela mulher que o estava enlouquecendo.
As semanas se passaram sem que muita coisa houvesse se alterado, a exceção da paixão de Miguel. Em casa, com a mulher, procurou ele não alterar sua rotina de atenção, carinho e de todos os cuidados de um bom marido para que não houvesse o mínimo de desconfiança por parte de Tereza, sua esposa de quase quinze anos de vida em comum. Se houve um casamento que deu certo para Miguel foi este com Tereza. Se dependesse de sua situação financeira e beleza física - embora não fosse de todo feio - jamais conseguiria o que conseguiu com esta união. Se o interesse andou na frente das intenções de Miguel para juntar-se a nada bonita Tereza, poder-se-ia dizer o mesmo de outras mulheres, nada feias, que se insinuavam para cima dele. Sua condição financeira era, se não invejável, mais do que admirada; diria que, femininamente, cortejada.
Uma manhã de segunda-feira foi encontrar os dois, Miguel e Sara, na frente do delegado de polícia. Ele estava sendo acusado, por sua auxiliar, de assédio sexual. Um ao lado do outro, em suas cadeiras, lançava, cada um, suas justificativas referentes ao que vinha ocorrendo. Sara, super exaltada, falava e gesticulava e, em altos brados, descompunha Miguel em todo resto de dignidade que tentava resguardar.
-Doutor, esta mulher está equivocada. Sempre a respeitei. Sou um homem casado e jamais traí minha mulher.
-Não acredite em nenhuma palavra do que ele diz, senhor delegado. Se ele realmente respeitasse a mulher, como diz, não passaria os dias me sussurrando gracinhas em pleno ambiente de trabalho e me fazendo convites indecorosos.
Em dado momento começaram a discutir, um querendo superar o outro em argumentos e alteando cada vez mais suas vozes, até que o delegado obrigou-se a deixar a sala para ir atrás de auxílio.
-Você sabe mesmo ser exagerada e soltar o desaforo quando quer - disse Miguel, olhando nos olhos verdes e penetrantes de Sara.
-Você ainda não viu nada.
-Poxa! Ainda vou ver mais?
-É só esperar; sei ser autêntica e verdadeira quando quero.
-Não dá para pararmos por aqui? Acho que já foi o suficiente.
-Não dá mais. Quando tenho um objetivo, vou até o final.
-Estou vendo. Acontece que, de acordo ...
Nisto, entra o delegado, interrompendo a conversa. Ao seu lado um policial com cara de poucos amigos e uma barriga proeminente. Após entrar e olhar para o casal com seriedade e desafio, esparramou-se no sofá, ao lado da porta, aguardando ordens superiores. Com o movimento que fez, percebeu-se o volume indiscreto de sua arma de fogo forçar a camisa e deixá-la exposta, exigindo respeito. Miguel pigarreou disfarçadamente.
-Vejo que estão mais calmos - falou o delegado enquanto voltava a se sentar. Trazia uma pasta espiralada a qual abriu, tirando dali algumas folhas que pareciam cópias de códigos e artigos de lei. Foi espantosamente claro e objetivo ao dar o seu veredito para o caso. Pelos gestos nervosos não queria mais perder seu tempo com aquele caso. O anseio deixava claro que outras obrigações o esperavam.
-Aqui tem o que precisam cumprir -disse, estendendo até as mãos de Sara uma folha de papel. A mulher examinou, exibiu um meio sorriso e dobrou a folha, guardando-a em sua bolsa. Miguel recebeu também suas orientações por escrito; tentou argumentar, mas foi interrompido antes que proferisse a primeira frase.
-Se quiser contestar procure um advogado; estou cumprindo o meu papel dentro da lei. -Sinalizou para o policial e deu por encerrados os depoimentos.
A explicação agora seria em casa. Dizer das razões de já se encontrar três dias afastado do trabalho, encontrar em Tereza palavras de conforto não foi tão difícil como deveria ser ou como Miguel julgou que seria. Tereza o amava e, na demonstração desse amor, buscava correspondência. O fato de Miguel trabalhar representava, menos do que necessidade, um tormento para Tereza que se desfazia em ciúmes. Há tempos vinha tentando convencê-lo a largar tudo e ficar com ela. Teriam, nas vinte e quatro horas do dia, todo tempo do mundo; um para o outro. Mas, se este era o sonho de Tereza, era, por outro lado, o tormento de Miguel. Perder a liberdade de suas conquistas amorosas não estava em seus planos. Amava o dinheiro de Tereza da mesma forma que amava suas aventuras fora de casa.
-Está precisando de alguma coisa, querido? -perguntou Tereza enquanto, ainda na cama, conversavam ao amanhecer do dia. - Sinto-o preocupado.
-Vou dizer a você o que realmente aconteceu.
Miguel contou toda a história. Desde o início, contou o ocorrido, terminando com a sentença do delegado após o depoimento das testemunhas que Sara conseguira apresentar.
-Oitenta mil reais é muito dinheiro, querido; nunca soube de uma fiança tão alta assim. -É claro que Miguel exagerou um bocado quanto ao valor.
-Não se preocupe, meu bem. Cumprirei a pena de prisão. Não precisa mexer no seu dinheiro. Afinal, três anos passam rápido, a gente nem percebe.
-De maneira nenhuma! Não suportaria ficar três meses distante do meu amado; quanto mais três anos!
-Mas, e o seu dinheiro? ...
-Não se preocupe. Afinal, não é tanto dinheiro assim ... quer dizer ... não deixa de ser uma graninha. Mas, é por você, pelo nosso amor. Depois, consigo recuperar isto com facilidade vendendo algumas de minhas ações.
-Você é a melhor esposa do mundo! -disse Miguel, beijando-a, dando início ao ato de amor matinal; este ela bem que mereceu.
De volta à repartição, a rotina de Miguel continuou a mesma, mas sem aquela secura pelos encantos da maravilhosa Sara. Trabalhavam, os dois, mais do que comportados; sem transparecerem o mínimo sinal do que havia entre eles.
-Você acha que precisava ser tão real? Nunca tinha visto ninguém representar tão bem -disse Miguel enquanto almoçavam e discutiam o sucesso do plano.
-É claro; não sei se os convenceria de outra forma menos realista.
-Está satisfeita?
-Totalmente! Você nem acredita. Esta grana fez a maior diferença na minha vida.
-E você, na minha; acredita?
-Está bem; vamos fingir que acreditamos. E a separação, quando vai ser?
-Espere mais um pouco. Preciso encontrar um bom motivo, o que não deve ser nada fácil em se tratando de Tereza.
-Se quiser, pode encontrar em mim um ótimo auxílio; duvida?
-Nem um pouco.
E não duvidava, mesmo. Agora, escolher entre a facilidade da vida abastada, mas sem amor, e o amor de Sara, embora inseguro, pelo que já fora mostrado, seria a verdadeira dúvida de Miguel daquele dia em diante.