O HOMEM INVISÍVEL

Começou pelos pés.

Certa manhã levantou-se da cama, e, quando tomava sua ducha matinal , viu que os dedos do pé direito haviam desaparecido.

Embora fosse uma pessoa calma , aquilo o apavorou. Como era possível não ver os dedos do pé se podia senti-los?

Imediatamente marcou consulta com o Dr. Aníbal, que o atendeu no mesmo dia, apreensivo com o seu desespero.

- Muito bem, Gervásio. O que é que você tem de tão urgente? –perguntou-lhe o dr.Anibal.

- Ah, Doutor. Parece loucura, mas os dedos do meu pé direito sumiram!

- Como é? Os dedos sumiram? – perguntou, já com um certo sorriso no rosto, de que Gervásio não se agradou.

- Tire o sapato e a meia- disse o médico.

Tirou, e quando o Dr. Aníbal olhou para aquele pé, deu um salto para trás.

- O que é isso, Gervásio?

- Não sei doutor, sei que estou apavorado!

- Deixe –me ver o outro pé.

Gervasio tirou o sapato e a meia do pé esquerdo e deu um grito: - Doutor, está pior do que o outro ! Já desapareceu quase o pé inteiro! O que é que que está acontecendo comigo?

- Olha, Gervásio, verifico, pelo toque, que seus dedos e seu pé estão aí. Entretanto, por um fenômeno que não sei explicar, não se pode vê-los a olho nu. Logo, o que lhe posso dizer é que, provavelmente, você está ficando invisível! E o processo vem de baixo para cima! Vá para casa, tome este calmante que estou lhe receitando e deite-se. Vou ter de conversar com colegas sobre o seu caso. Entrarei em contato tão logo tenha algo em que me apoiar.

Diante do que o Dr. Aníbal lhe disse, Gervasio passou na farmácia, comprou o calmante e foi para casa. Quando lá chegou, porém, resolveu dar mais uma olhada no seu estado e viu que a coisa estava pior: nada mais existia abaixo dos joelhos. Olhando-se no espelho, achou até tudo muito engraçado, porque sem a parte de baixo das pernas , parecia solto no ar, flutuando. Mas as pernas estavam lá, invisíveis.

Foi tudo muito rápido. Na manhã seguinte só a sua cabeça não havia, ainda, desaparecido.

Imagine o horror de se olhar no espelho e enxergar apenas uma cabeça solta no ar.

Por volta do meio-dia ele já havia sumido completamente!

E agora, o que vai ser de mim, era a pergunta que ele intimamente se fazia, já em completo desespero. O telefone toca. Era o Dr. Aníbal, com voz animada : - Gervásio, descobri na literatura médica um caso igual ao seu. Aconteceu na Noruega, em 1942. Depois de dois anos, mais ou menos, a pessoa começou a voltar ao normal. É um fenômeno ainda não explicado, que se cura sozinho. Como é que você está no momento?

- Ah, Doutor, já desapareci inteiro. Mas quando eu visto uma roupa, calço meias, sapatos, luvas, dá para disfarçar. Mas a cabeça, Doutor, é um problema para a minha profissão de relações publicas.

- Não, não Gervásio. Vou procurar encontrar um profissional que saiba fabricar uma máscara de borracha que se amolde na cabeça inteira.

- Máscara, Doutor? Que coisa ridícula. Quem é que vai querer tratar com um relações públicas que usa máscara? Minha vida está acabada.

-Tenha calma Gervásio. Vamos ver o que se pode fazer.

Na manhã seguinte Gervásio cuidou de sua rotina da forma como sempre fazia. Apenas não se barbeou porque de nada adiantaria.

Tinha de ir à empresa para resolver a sua situação.

Pôs a camisa de que mais gostava, deu o nó na gravata, calçou meias, sapatos e vestiu o seu melhor terno. Colocou os óculos Ray ban e, na cabeça, o boné do seu time de futebol.

Passou pelos faxineiros do prédio, deu bom dia e seguiu para a garagem

Logo estava na rua, protegido da curiosidade devido aos vidros do carro filmados em cinza escuro.

Enquanto dirigia, pensava: se existir alguém que saiba como fazer uma máscara como o Doutor falou, significa que ela pode ser feita com a aparência que eu quiser...posso ser uma pessoa hoje e amanhã outra, diferente! Além disso, ser invisível tem suas vantagens : aquela loura que me esnobou vai ter o troco, ora se vai. Todo mundo vai se ver comigo, o meu chefe, o valentão que acha ser dono de todas as vagas de garagem do prédio, o vizinho de cima, que ensaia todas as noites a sua banda de rock e o de baixo, que bate no teto com o cabo de vassoura, achando que sou eu o autor do barulho, além daquele cara que desce pelo elevador com o seu pitbull mal educado, que faz do local seu w.c. exclusivo.

Todas essas conjeturas se dissiparam, porém, quando o carro se aproximou do prédio da empresa na qual Gervasio trabalhava. A hora da verdade estava próxima.

Gervasio usou as escadas para atingir o seu andar e, como ainda era cedo,foi diretamente para a sala do chefe, a fim de esperar a sua chegada, longe de qualquer contato com o pessoal do escritório.

Resumindo os fatos, para não cansar o leitor, Gervasio foi despedido sem justa causa, com direito de receber tudo o que lhe era devido, a fim de que pudesse dispor de algum dinheiro até que resolvesse o que fazer da vida.

Quando o dinheiro acabou, teve que abandonar o carro e o apartamento alugado, restando-lhe procurar talvez um circo, onde pudesse viver da sua aberração, sem depender de ninguém. Do Doutor Aníbal nunca mais recebeu qualquer notícia.

Nada, porém, deu certo, acabando Gervásio por ir viver na rua, junto com os outros invisíveis que a habitam.

O tempo foi passando e Gervasio, consumido pela depressão, resolveu acabar com a vida.

Tinha de fazê-lo sem dor.

Morreria dormindo.

Naquela tarde Gervásio tirou a roupa , saiu nu pela rua, seguiu até o seu antigo emprego, esperou que todos saíssem , ligou um computador e pesquisou no Google o que poderia usar para morrer. Em seguida, foi até à drogaria da esquina e sem nenhuma preocupação passou a procurar nas prateleiras pelos medicamentos de tarja preta que o fariam dormir eternamente. Apanhou várias caixas sortidas e nem se preocupou ao sair com elas na frente dos balconistas , pouco se importando com o susto que levaram ao vê-las voando para fora da loja.

Na rua, Gervasio roubou de um bar uma garrafa de água mineral, sentou-se na calçada apoiando-se na parede de um edifício, abriu as caixas de medicamentos , despejou os comprimidos sobre o chão e foi engolindo vários de cada vez, empurrando-os com goles da água mineral, até que consumiu todos eles, em numero de quarenta.

Deitou-se no chão duro e não demorou para que começasse a sentir um entorpecimento, que foi crescendo, crescendo, até que tudo se apagou.

Não teve nem tempo de notar que, no pé direito, uma pontinha do dedão começava a aparecer.

Wander Sgarbi
Enviado por Wander Sgarbi em 10/12/2012
Reeditado em 12/12/2012
Código do texto: T4029311
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