Os homens de branco
Era fim de tarde. O círculo vermelho ainda flamejava no céu quando ele chegou em casa. Parecia transtornado, o suor banhava-lhe o corpo e o desespero banhava-lhe a alma.
Os familiares se aglomeraram em torno dele para entender o que acontecia, mas ele não emitia uma palavra. Seus olhos esbugalhados davam pistas de que algo horrível sucedera há pouco. Mas, o quê?
Misturada ao suor, uma lágrima escorreu pelo seu rosto. E, depois, muitas outras, acompanhadas de soluços e de um pavor sufocado.
As hipóteses começaram a surgir, algumas aceitáveis, outras beirando o ridículo e uma que invadia o limite do absurdo. Pensaram que havia sido assaltado, que tinha testemunhado um assassinato, que tinha presenciado um arrastão e até que havia sido abduzido por minúsculas criaturas verdes.
A curiosidade era tamanha que não se lembravam de socorrer o homem, o qual continuava se esvaindo em lágrimas e suor. Até que alguém fez o favor de se lembrar da velha e boa água com açúcar, de colocar um ventilador à sua frente e de fazer algum carinho para que ele sentisse que estava protegido.
O resultado não foi o que esperavam. A voz do homem continuava escondida. Ele ainda chorava, num desespero abafado.
Alguém sugeriu levá-lo ao hospital, mas a ideia foi rejeitada. Talvez no hospital lhe dessem um calmante, que o faria dormir por dias e, quando acordasse, talvez não se lembrasse mais de nada. Então, nunca saberiam o que havia acontecido.
Enquanto resolviam sobre a vida do homem, ele se mantinha ali, inerte, sem voz, sem perceber o que acontecia à sua volta. De repente, sem nenhum motivo aparente, o homem começa a esboçar um sorriso, que, logo se transforma numa risada, e, sem nenhum esforço, numa gargalhada.
O desespero de um bicho caçado se transformou em alegria de criança. Ele segurava a barriga, pois ela chegava a doer de tanta risada. E não era uma risada forçada, debochada, irônica. Não. Era uma risada tão espontânea, que metia medo.
Os familiares olhavam atordoados para aquela cena. Há pouco, aquele mesmo homem, que agora ri sem parar, estava se acabando em lágrimas. E, o pior, nem sabiam do motivo das lágrimas, e já se deparavam com um novo mistério.
Alguém sugeriu novamente que o levassem ao hospital. Dessa vez, a ideia teve novos adeptos. Ele podia estar ficando louco, ou talvez até tivesse uma doença contagiosa. E, pela primeira vez, a curiosidade cedeu lugar ao bom senso. Mas, alguém ponderou: "Era melhor chamar uma ambulância!". De fato. Não sabiam a gravidade do caso, ele poderia ficar violento. Todos concordaram: "Vamos chamar uma ambulância!".
Enquanto a família decidia o que fazer, o homem continuava rindo sem parar. Chegou o momento em que caiu do sofá e, como uma criança, embolou no chão de tanto rir.
Após uma hora, a ambulância finalmente chegou, para alívio dos parentes que, a essa altura, estavam com o mesmo desespero com que o homem chegara em casa no final da tarde.
Ao ver os homens de branco se aproximarem dele, soltou um grito de terror e sua voz foi ouvida pela primeira vez desde que chegara em casa: "Não. Vocês de novo, não!" . Os familiares não entenderam aquelas palavras, mas imaginaram que elas faziam parte do quadro de loucura que ele apresentava.
Sedaram o homem, porque ele se recusava a ir de livre e espontânea vontade e sua força não podia ser contida nem por um batalhão. Do portão, a família viu a ambulância se afastar. Ninguém teve coragem de acompanhá-lo. Diziam que era por não aguentar ver um ente querido naquela situação, mas a verdade era outra. Ninguém queria ficar perto do perigo. Não se sabia qual era o mal que tinha se apoderado dele. Melhor não arriscar.
Entraram. Mesmo perdidos, voltaram às suas ocupações, sem comentar o fato. Aqueles poderiam ser os últimos minutos de paz naquela casa.
Algum tempo depois, alguém bate à porta. Ao abri-la, depararam-se com uma vizinha, com olhar de pena e tristeza. Entrou sem dizer palavra. Cabisbaixa, não sabia o que dizer naquela hora. Que hora? Do que ela estava falando?
Mais cedo, antes do fim da tarde, testemunhou a morte de um membro da família. Estava andando nas proximidades, quando se deparou com pessoas amontoadas, tentando ver alguma coisa. Sua curiosidade fez com que também se aproximasse para ver o que havia acontecido ali. Foi então que presenciou ali ,estirado no chão, seu vizinho de longos anos. A ambulância chegou naquele instante. Os homens de branco desceram e, após examinar os sinais vitais do homem, concluiram que ele havia falecido.
Os familiares se olharam estupefatos. Então, há pouco, estavam diante de um fantasma? Não era possível. Mudos de pavor, ouviram, pela segunda vez, baterem à sua porta. Era outra vizinha, sem o olhar triste da primeira, mas com faíscas de curiosidade saltando-lhe dos olhos. No fim da tarde, havia presenciado uma cena que não entendera. Uma pessoa daquela família correndo desesperada pelas ruas, gritando: "Eu não morri. Estou vivo. Vocês não vão me enterrar!".
Como quem junta peças de um quebra-cabeça, o parente mais astuto desvendou o mistério. O homem havia sido dado como morto. Após acordar, percebendo toda a situação, começou a correr feito louco e a gritar que estava vivo.
Por isso, todo o desespero com que chegara em casa. E, depois, aquelas risadas de alívio e felicidade. Por isso também seu desespero ao ver de novo os homens de branco. Pensou que iam enterrá-lo.
Aliviada e sentindo-se culpada pelo tratamento que havia dado ao homem, a família resolveu se dirigir ao hospital. Ao chegar lá, não conseguiram encontrá-lo em parte alguma. Sem saber o que pensar, avistaram de longe os homens de branco que o haviam levado na ambulância.
Ao se aproximarem, ouviram incrédulos o final da conversa entre eles: " Aquele cara queria nos enganar pela segunda vez. Essa é boa. Querer nos convencer de que estava vivo! Mas, dessa vez, ele não nos enganou."