O URUBU E O CÁGADO
Por Carlos Sena
Sempre que chovia, os urubus cabisbaixos, do alto das arvores, olhavam uns para os outros e diziam em voz alta: “quando essa chuva parar nós vamos construir nossa casa”. Outro todo molhado, tremendo de frio e já com coriza, completava: pois é. Todos os animais tem casa, menos nós. O Urubu Rei logo deu a ordem: “tão logo o sol brilhar, iremos ver o modelo e o tipo de construção que faremos pra nós”. Mas Senhor Urubu Rei, onde seria essa casa se na terra a gente só chega perto se houver carne podre para a gente almoçar, perguntou um urubuzinho preocupado com o inverno rigoroso que estava chegando. Ora, qual o problema da gente construir nossa residência perto do lixão? Sabe, Senhor Urubu Rei, é que nós somos feios, nós fedemos e os humanos não nutrem por nós nenhum interesse. O senhor já viu uma pessoa criando um de nós? Criam gato, cachorro, até cágado, mas nós... Nós somos enxotados e algumas pessoas dizem que damos azar... No meio desse diálogo cheio de sofismas e retóricas, eis que o sol, timidamente, começa a afastar a chuva. O coitado do Urubu Rei quando se deu por conta estava falando sozinho. “Ôxe, e eu tô doido conversando sozinho”? Cadê a urubuzada que discutia comigo a construção da nossa casa? Sabe que mais, disse pra si o Urubu Rei: eu vou me mandar. O céu está de brigadeiro e lá embaixo tá cheio de gado morto por conta da seca esperando por mim... Afinal, Jesus disse que “não vos preocupeis com o dia de amanha, urubu de pouca fé”... Bateu asas e voou, o pobre urubu todo molhado, resfriado, mas feliz como se fosse dono do céu...
Lá em baixo no seu canto, pobre cágado saia embolado na enxurrada. Sua “casa” lhe protegia da chuva, mas não lhe protegia do chute dos humanos, do enrosco das serpentes. Vez por outra caia coco verde no seu casco e ele ficava dias sem sair de casa. Sem contar que muita gente mija em cima dele. Quando batiam no seu casco a dor de cabeça era insuportável e suas “costas” parecia ter rachado. Se isso acontecesse ele estaria frito. Como iria conviver com goteiras dentro de “casa”? Nesse instante, sentiu seu casco sofrer uns pequenos baques. Tudo indicava ser uma britadeira querendo lhe perfurar as costas. O pobre cágado, quieto dentro de casa se assombra. Pensou logo que fosse uma águia querendo içá-lo para, das alturas, soltá-lo sobre as pedras para depois comer. Pra sua surpresa, era um urubu. – Que está fazendo por ai me cutucando seu bicho feio? – Calma seu Cágado, só estava lhe observando, mas não pense que quero comê-lo vivo. Mas quando você morrer, mesmo assim vai me dar trabalho pra buscar tuas carnes dentro dessa tua casa tão segura e fechada a sete chaves. Deixe de conversa mole, seu Urubu. Vá procurar sua turma que eu não lhe dei intimidades pra estar aqui de papo comigo. No fundo, no fundo, seu cágado, eu estou aqui por pura inveja. Invejo sua casa tão segura, já que não tenho casa e vivo sofrendo de galho em galho feito macaco. Durmo no pau, acordo no pau e você não. Por isso fico olhando lá de cima pra você e dizendo pra mim mesmo: “eu deveria ter nascido cágado” – só assim não estaria nesse sofrimento de não ter minha própria casa. Fique triste não, seu Urubu. Eu tenho cá minhas mágoas. Sofro quando me chutam, pisam em cima de mim, põem crianças para chutar, as cobras tentam me picar, os mosquitos descansam em cima do meu casco, os cachorros me lambem, as madames jogam agua quente e as empregadas domésticas querem me matar para botar na panela e comer. Melhor ser livre como o Senhor, Urubu. Eu sou um escravo do tempo e ainda tenho que carregar minha casa pesada em minhas costas pra toda vida. Quando estava no meio das suas lamúrias, o cágado percebeu que estava falando sozinho. O Urubu percebeu que tinha vida de Rei, mesmo sem ter casa. O cágado lhe deu essa lição...
Por Carlos Sena
Sempre que chovia, os urubus cabisbaixos, do alto das arvores, olhavam uns para os outros e diziam em voz alta: “quando essa chuva parar nós vamos construir nossa casa”. Outro todo molhado, tremendo de frio e já com coriza, completava: pois é. Todos os animais tem casa, menos nós. O Urubu Rei logo deu a ordem: “tão logo o sol brilhar, iremos ver o modelo e o tipo de construção que faremos pra nós”. Mas Senhor Urubu Rei, onde seria essa casa se na terra a gente só chega perto se houver carne podre para a gente almoçar, perguntou um urubuzinho preocupado com o inverno rigoroso que estava chegando. Ora, qual o problema da gente construir nossa residência perto do lixão? Sabe, Senhor Urubu Rei, é que nós somos feios, nós fedemos e os humanos não nutrem por nós nenhum interesse. O senhor já viu uma pessoa criando um de nós? Criam gato, cachorro, até cágado, mas nós... Nós somos enxotados e algumas pessoas dizem que damos azar... No meio desse diálogo cheio de sofismas e retóricas, eis que o sol, timidamente, começa a afastar a chuva. O coitado do Urubu Rei quando se deu por conta estava falando sozinho. “Ôxe, e eu tô doido conversando sozinho”? Cadê a urubuzada que discutia comigo a construção da nossa casa? Sabe que mais, disse pra si o Urubu Rei: eu vou me mandar. O céu está de brigadeiro e lá embaixo tá cheio de gado morto por conta da seca esperando por mim... Afinal, Jesus disse que “não vos preocupeis com o dia de amanha, urubu de pouca fé”... Bateu asas e voou, o pobre urubu todo molhado, resfriado, mas feliz como se fosse dono do céu...
Lá em baixo no seu canto, pobre cágado saia embolado na enxurrada. Sua “casa” lhe protegia da chuva, mas não lhe protegia do chute dos humanos, do enrosco das serpentes. Vez por outra caia coco verde no seu casco e ele ficava dias sem sair de casa. Sem contar que muita gente mija em cima dele. Quando batiam no seu casco a dor de cabeça era insuportável e suas “costas” parecia ter rachado. Se isso acontecesse ele estaria frito. Como iria conviver com goteiras dentro de “casa”? Nesse instante, sentiu seu casco sofrer uns pequenos baques. Tudo indicava ser uma britadeira querendo lhe perfurar as costas. O pobre cágado, quieto dentro de casa se assombra. Pensou logo que fosse uma águia querendo içá-lo para, das alturas, soltá-lo sobre as pedras para depois comer. Pra sua surpresa, era um urubu. – Que está fazendo por ai me cutucando seu bicho feio? – Calma seu Cágado, só estava lhe observando, mas não pense que quero comê-lo vivo. Mas quando você morrer, mesmo assim vai me dar trabalho pra buscar tuas carnes dentro dessa tua casa tão segura e fechada a sete chaves. Deixe de conversa mole, seu Urubu. Vá procurar sua turma que eu não lhe dei intimidades pra estar aqui de papo comigo. No fundo, no fundo, seu cágado, eu estou aqui por pura inveja. Invejo sua casa tão segura, já que não tenho casa e vivo sofrendo de galho em galho feito macaco. Durmo no pau, acordo no pau e você não. Por isso fico olhando lá de cima pra você e dizendo pra mim mesmo: “eu deveria ter nascido cágado” – só assim não estaria nesse sofrimento de não ter minha própria casa. Fique triste não, seu Urubu. Eu tenho cá minhas mágoas. Sofro quando me chutam, pisam em cima de mim, põem crianças para chutar, as cobras tentam me picar, os mosquitos descansam em cima do meu casco, os cachorros me lambem, as madames jogam agua quente e as empregadas domésticas querem me matar para botar na panela e comer. Melhor ser livre como o Senhor, Urubu. Eu sou um escravo do tempo e ainda tenho que carregar minha casa pesada em minhas costas pra toda vida. Quando estava no meio das suas lamúrias, o cágado percebeu que estava falando sozinho. O Urubu percebeu que tinha vida de Rei, mesmo sem ter casa. O cágado lhe deu essa lição...