A PRESENÇA
Caso 17 de novembro de 2012
3hs e 37 da madrugada do dia 17 de novembro. Alcoolizado, num churrasco entre amigos, relatei minha experiência extracorpórea. Experiências que provavelmente vocês já devem ter encontrado em meus escritos ou nos meus diários. Diante das opiniões dos comensais pouco de apoio sobrou ao meu psiquiatra que diagnosticou a mim esquizofrenia. E apesar do meu esforço de apoiar o diagnóstico médico, a teoria espiritista ganhou. Era também defendida a tese quântica da escolha de caminhos e de tempos que estão conectados e emaranhados como se a existência possível de uma coisa só fosse ao mesmo tempo a presença dessa coisa que nunca existiu. Pensavam como se houvesse em mim um interruptor que ligasse ou desligasse meus terrores ou se existisse uma tecla delete e apagasse meus históricos jogando a um lugar nenhum como se nunca existisse. Apesar da confusão etílica ainda mantinha o esforço de trabalhar com menos de um quarto do meu raciocínio. O movimento fino já estava prejudicado e derrubei uma boa porção de vinho tinto no chão branco da cozinha clara de meu anfitrião. Se minha percepção não estivesse também afetada perceberia melhor o olhar de desespero, porém não menos piedoso, da esposa desse meu amigo. Mas o que mais me perturbara era a sensação de que alguém havia esbarrado em meu braço, fazendo minha mão vacilar e entornar o líquido rubro. Não podia ser ninguém da audiência, pois o mais próximo a mim não alcançava meio metro de distância. Me ocorreu que alguma presença insólita havia de estar se divertindo a minha custa. Ouvindo o meu relatar soturno, com atenção e bazófia. E nesse ínterim resolveu me desqualificar em meio aos meus amigos, provocando a situação de descontrole dos meus movimentos. Respirei e preferi a resposta mais curta: estava bêbado e derrubei o vinho não sei como. Nesse momento pensei que nas cabeças dos menos ébrios cogitavam o meu estado lastimável. O pior não é um homem bêbado, um qualquer homem bêbado, mas um intelectual bêbado que luta para manter sua razão contra o torpor, efeito anestésico da bebida. Há duas razões para esse fato ser considerado uma desgraça. Uma porque os amigos percebem a luta patética do ser, apesar de rendido, manter a figura racional, já dissolvida pelo álcool, e outra é a capacidade do intelectual de se vê preso num corpo que não pode mais usar. Não usar a língua, o cheiro, o ouvido, a mente. A essa chamo de submissão e àquela, vaidade. Aos poucos foram saindo um a um, deixando o clown no picadeiro, mas quando o último se afastou, para deixar-me só comigo mesmo, tive uma nítida impressão, um lampejo, de que esse último não havia sido convidado para participar da festa, não havia adentrado a casa por meios convencionais e que ninguém, além de mim, podia vê-lo.
Caso 17 de novembro de 2012
3hs e 37 da madrugada do dia 17 de novembro. Alcoolizado, num churrasco entre amigos, relatei minha experiência extracorpórea. Experiências que provavelmente vocês já devem ter encontrado em meus escritos ou nos meus diários. Diante das opiniões dos comensais pouco de apoio sobrou ao meu psiquiatra que diagnosticou a mim esquizofrenia. E apesar do meu esforço de apoiar o diagnóstico médico, a teoria espiritista ganhou. Era também defendida a tese quântica da escolha de caminhos e de tempos que estão conectados e emaranhados como se a existência possível de uma coisa só fosse ao mesmo tempo a presença dessa coisa que nunca existiu. Pensavam como se houvesse em mim um interruptor que ligasse ou desligasse meus terrores ou se existisse uma tecla delete e apagasse meus históricos jogando a um lugar nenhum como se nunca existisse. Apesar da confusão etílica ainda mantinha o esforço de trabalhar com menos de um quarto do meu raciocínio. O movimento fino já estava prejudicado e derrubei uma boa porção de vinho tinto no chão branco da cozinha clara de meu anfitrião. Se minha percepção não estivesse também afetada perceberia melhor o olhar de desespero, porém não menos piedoso, da esposa desse meu amigo. Mas o que mais me perturbara era a sensação de que alguém havia esbarrado em meu braço, fazendo minha mão vacilar e entornar o líquido rubro. Não podia ser ninguém da audiência, pois o mais próximo a mim não alcançava meio metro de distância. Me ocorreu que alguma presença insólita havia de estar se divertindo a minha custa. Ouvindo o meu relatar soturno, com atenção e bazófia. E nesse ínterim resolveu me desqualificar em meio aos meus amigos, provocando a situação de descontrole dos meus movimentos. Respirei e preferi a resposta mais curta: estava bêbado e derrubei o vinho não sei como. Nesse momento pensei que nas cabeças dos menos ébrios cogitavam o meu estado lastimável. O pior não é um homem bêbado, um qualquer homem bêbado, mas um intelectual bêbado que luta para manter sua razão contra o torpor, efeito anestésico da bebida. Há duas razões para esse fato ser considerado uma desgraça. Uma porque os amigos percebem a luta patética do ser, apesar de rendido, manter a figura racional, já dissolvida pelo álcool, e outra é a capacidade do intelectual de se vê preso num corpo que não pode mais usar. Não usar a língua, o cheiro, o ouvido, a mente. A essa chamo de submissão e àquela, vaidade. Aos poucos foram saindo um a um, deixando o clown no picadeiro, mas quando o último se afastou, para deixar-me só comigo mesmo, tive uma nítida impressão, um lampejo, de que esse último não havia sido convidado para participar da festa, não havia adentrado a casa por meios convencionais e que ninguém, além de mim, podia vê-lo.