Quando mudou-se para aquela velha casinha com seus dois filhos, logo pós o divórcio, Joana ainda vivia um clima de final de festa, tendo na boca um gosto de ressaca por ter terminado um casamento ruim que durara mais de dez anos e ao mesmo tempo que a aventura de uma nova vida a excitava, deixava-a insegura.
Tudo era novo: o divórcio, a mudança para a velha casinha em um bairro afastado do centro, o novo emprego, a escola nova das crianças. Muitos sonhos a sonhar, enquanto outros ainda agonizavam no caldo dos últimos acontecimentos.
Foi Bruno, seu filho de sete anos, quem primeiro notou a grande pedra coberta de hera que ficava logo na entrada do jardinzinho, junto ao portão. Logo subiu nela, empunhando sua espada de plástico, tomando conta do território. Passou a explorar seus arredores, e percebeu que, em um dos cantos, havia uma profunda grota, que levava para dentro de um túnel com uma pequena abertura. Mas Joana estava ocupada demais com a arrumação do novo lar para dar-lhe atenção. Mariana, sua filha de dez anos, pegou a mangueira do jardim- que media doze metros - e começou a introduzi-la no túnel, para saber qual a profundidade.
Pelo menos dez metros de mangueira penetraram a escuridão sob a pedra.
Assustada com a possibilidade de um morador perigoso, como uma serpente, por exemplo, Joana proibiu que as crianças voltassem a brincar nas proximidades da pedra.
E foi naquela noite, enquanto trabalhava na cozinha, portas abertas devido ao calor, que ela teve a impressão de estar sendo observada. Era muito forte a impressão, e ela ergueu a cabeça, olhando em volta. Percebeu, com o canto dos olhos, que uma forma escurecida fazia-lhe companhia: um enorme sapo-boi!
Eles se olharam por alguns instantes, e ela decidiu que deveria colocá-lo para fora de casa. Com uma vassoura e muito cuidado, pois não queria ferí-lo, empurrou-o porta afora. Achou que talvez fosse ele o morador da caverna misteriosa.
Dias depois, enquanto pendurava a roupa no varal, lá estava ele novamente, a observá-la de um canto do jardim. Joana percebeu que ele tinha um estranho olhar, quase inteligente, que a examinava descaradamente, parecendo ler tudo o que se passava dentro dela. Ajoelhou-se em frente a ele, enxugando as mãos nos jeans. Passou a observá-lo com mais cuidado. Ele nem se mexeu devolvendo-lhe o olhar, a garganta inflando levemente. Ela estendeu uma das mãos para tocá-lo, movida por uma mórbida curiosidade, e nem assim, ele se moveu.
Ela sentiu sua pele áspera sob os dedos. Havia uma pegajosa humidade. Ele parecia estar gostando da carícia, pois fechou os olhos. De repente, Joana pareceu voltar a si, e achou-se ridícula! O que as crianças iriam pensar, se a vissem naquela situação? Achou que estava carente demais... imagine só! Acariciar um sapo!
Uma semana depois, durante uma tempestade, Joana preparava-se para entrar no chuveiro, quando, ao tirar a camiseta suada, percebeu que a jogara sobre alguma coisa escura que estava no chão do banheiro. Rezando para que não fosse uma aranha, apanhou a camiseta com a ponta dos dedos, e lá estava ele novamente: seu admirador sapo!
Ela entrou no chuveiro e, de repente, sentiu ímpetos de exibir-se para o seu batráquio admirador, ensaboando-se de maneira sensual, como se estivesse fazendo um comercial de sabonete. O sapo não tirava os olhos gulosos dela. Joana começou a achar aquilo tudo muito estranho, pois pela primeira vez desde seu divórcio, era acometida por desejos sexuais.
Espantando aqueles absurdos pensamentos libidinosos, ela desligou o chuveiro e passou a enxugar-se. Foi quando ouviu uma voz masculina e quente, que a fez dar um pequeno salto:
-Você é muito bonita!
-Quem está aí?
Lá fora,a chuva era torrencial, e ela pensou que poderia ter ouvido o som da TV que as crianças assistiam. Mas a voz respondeu-lhe:
-Sou eu, o sapo.
Joana olhou para ele, que estava calmamente sentado sobre a tampa do vaso sanitário, terminando de engolir um pequeno besouro.
-Você... fala?!
-Mas é claro! Por que a surpresa?
-Ora você é um... é um...
-Sapo? Não tenha tanta certeza!
Joana passou a cobrir-se com a toalha, pudicamente.
-Bem, então o que é você?
-Sua mãe nunca contou-lhe histórias quando você era pequena? Eu sou um príncipe encantado!
-Como assim?! Acho que eu estou ficando maluca...
- Pense o que quiser... mas acho que você deveria considerar bem uma proposta que vou fazer a você!
-Qual?
Ele pulou para o chão, e foi aninhar-se junto aos pés dela. Pediu-lhe que se ajoelhasse junto dele, para ouvi-lo melhor.
-Beije-me!
Joana não acreditava no que estava ouvindo.
-O que?! Você está maluco?
-Ora, até pouco tempo, você é quem tinha enlouquecido... seja mais crédula! Beije-me, e eu me transformarei em um príncipe encantado que viverá ao seu lado para todo sempre.
Ela considerou a idéia. Ficou de pé, e começou a caminhar ao redor dele.
- E o que eu ganho com isso?
-Segurança financeira. Afinal, eu sou um príncipe! E é claro, noites de volúpia inesquecíveis, escola particular para suas crianças, muitas festas e bailes na corte, e...
-Mas para ter tudo isso, basta que eu o beije?
-Bem... não é só isso... tem uma outra coisa!
-E o que seria esta 'outra coisa?'
Ele respondeu:
-Não posso ser um príncipe o tempo todo... posso viver como príncipe durante uma semana, e como sapo uma outra, alternadamente.
-Mas se é só isso, por mim, está tudo bem!
-Bem, eu ainda não terminei: quando eu for sapo, você será uma rã. Mas é só por uma semana, alternadamente, como eu já disse...
Diante daquela proposta, Joana pediu-lhe um tempo para pensar melhor.
Continuou com sua vida, agindo como se nada tivesse acontecido. Ela gostava da liberdade que adquirira após o divórcio. Gostava do novo emprego e dos novos amigos que fizera. Quando pensava em relacionamentos sérios, ainda sentia que não os desejava... queria gozar um pouco mais de sua liberdade.
Mas sabia que, caso sua vida tomasse um rumo realmente desencantador, tinha sempre a alternativa de beijar o sapo...
Publicado no Recanto das Letras em: 02/11/2010 10:08:54