Os velhos II.


Pequena pacata e hospedeira cidade do interior das Minas Gerais, São Roque de Minas tem muitas outras belezas além da belíssima serra da Canastra. Citarei apenas mais uma dentre tantas: Maria Mineira. Professora escritora contista empreendedora.

E foi em São Roque de Minas que deu-se o que agora lhe conto:

Eu estava jovem em idade e aparência trazendo dentro de mim um homem muito, muito velho. Não era uma velhice cronológica com suas mazelas, era uma velhice no sentido de me sentir fora do mundo que me cercava, como se eu não pertencesse aquela era, e sim a tempos passados, eu estava fora da minha época. Isso me atormentava pois me deixava alijado do contato com os meninos e meninas da minha idade, falavamos “línguas” diferentes. Nada do que eles diziam ou queriam me interessava. Os adultos me pareciam opacos, sem brilhos ou sonhos que me cativassem.

Eu precisava sair daquele meio, procurar algo, um lugar que eu não sabia o que era ou onde seria. Assim um dia peguei algumas coisas necessárias para meu intento e parti sem rumo ou destino conhecido, apenas fui. O que se passou entre minha saída da casa onde morava e minha chegada a São Roque de Minas pouparei você dos detalhes, por hora pelo menos, talvez um dia eu conte.

Entrei na cidade por uma estreita picada de terra vermelha ladeada por vasto pasto do meu lado esquerdo onde cabras e vacas pastavam em harmonia, do meu lado direito densa floresta. Amanhecia e a bruma fria descia da montanha distante cobrindo o que era verde e vermelho de branco. E tudo era lindo e pacífico. Distraído quase tropeço no homem sentado num barranco ao lado da picada, me assustei com sua presença repentina e meu assustar o fez sorrir, e ele falou comigo:

_Desculpe o susto, não tive a intenção, bom dia caminhante, sente aqui a meu lado e descanse seus pés da jornada.
_Bom dia senhor, me desculpe ter me assustado, eu estava distraído não percebi sua presença.

Sentei ao lado dele e ficamos calados alguns minutos, o silêncio foi quebrado por uma pergunta feita pelo desconhecido:

_Você é muito novo para estar tão longe de casa, já descobriu para onde está indo?
_Não senhor, eu nem sei onde estou.
_São Roque de Minas é o nome do lugar onde pisam seu pés cansados.
_O senhor mora aqui faz muito tempo?
_Eu não moro aqui nem ali nem acolá.
_O senhor é andarilho?
_Mais ou menos, eu vou onde meu amigo tem precisão de ir, e por isso hoje estou aqui. Ele é quem sabe onde precisam de nós.
_E onde está seu amigo?
_Embrenhou-se mata adentro pra fazer o que precisa, fico aqui a sua espera, o que me cabe no momento. A espera é longa e necessária.
_O meu nome é...
_Não diga seu nome, não é preciso. Seu nome pouco diz sobre quem você é de verdade. Minha espera chega ao fim, meu amigo está de volta.

Eu não vi ninguém chegando, passaram minutos até que da mata apareceu um galo enorme, longas penas de variadas cores em sua cauda, crista soberba, porte majestoso. O galo parou frente ao homem e disse:

_Bom dia mestre, nossa missão foi cumprida.
_Bom dia querido amigo, que nome lhe deram dessa vez?
_Precioso, assim fui chamado nos últimos cento e setenta e seis anos.
_Não percebi todos esses anos passando.
_É este o menino que o senhor esperava?
_Sim, é ele, mas ele anda não está pronto. Olhe como ele está espantado ouvindo você falar.

Eu não estava espantado, eu estava apavorado, queria correr para bem longe mais minhas pernas não me obedeciam.

_Conte para ele o que você faz.


E o galo me contou da vida de José da Silva, e no final se apresentou:

_Eu sou o apontador de destinos, hoje meu nome é Precioso, amanhã ou depois terei outro nome que me será dado por alguém que não sabe seu destino. Hoje eu sou um galo falante, amanhã poderei me apresentar como... Quem sabe...

Assim fiquei sabendo sobre parte da vida de José da Silva que me foi contada por um galo. Eu não estava pronto para aquele encontro, e talvez nunca esteja. Pode ser que tudo isso tenha sido apenas sonho de uma jóvem mente conturbada em fuga da aflitiva realidade em que vivia.


 
Yamãnu_1
Enviado por Yamãnu_1 em 07/11/2012
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