ROSAS BRANCAS

Alice criara sozinha seu filho Juliano. Àquela altura, contemplando-o com vinte anos, prestes a se formar em sociologia, sentia-se vitoriosa, orgulhosa de si. Mas lamentava por ele não aceitar seu novo marido, Lúcio, um professor de matemática que lecionava na mesma universidade onde o rapaz estudava. Estavam sentados em torno da mesa do café da manhã, ela e o filho. O marido ainda não havia saído do banho.

– Juliano, você me faria tão feliz se acolhesse meu relacionamento com Lúcio! Ah, meu filho...

– Mamãe, não é questão de acolher. Não tenho o direito de me meter em sua vida. Só me incomoda sua insegurança com relação a esse homem. Imagino que seja torturante viver assim, você tem ciúme de cada passo que ele dá! Bem, tenho que me apressar, estou atrasado.

Teve dificuldade de levantar a mochila depositada sobre o espaldar da cadeira.

– Quanto peso, meu filho!

– Tenho aula de teatro hoje. É a indumentária do personagem.

Lúcio, ao chegar e assentar-se, disse em tom amável:

– Juliano, vou tomar apenas um café puro. É rapidinho, se puder esperar, eu lhe dou uma carona. Afinal, vamos para o mesmo lugar.

– Não é necessário. Combinei de ir com minha amiga Fernanda. Ela já deve estar lá embaixo. Tchau!

O homem olhou fixamente para Alice. Aquele olhar suave, afetuoso e penetrante, que tanto a encantava; que tanto a dominava:

– Está vendo, meu amor? Eu tento de todas as formas me aproximar, mas ele deixa claro que me rejeita!

– Tenha paciência, querido; com o tempo, isso vai mudar.

Como se hipnotizada pelos gestos do amado que, por sua vez, entregue a pensamentos vagos, saboreava o café, Alice quase chorou ao relembrar a imagem – que vira acidentalmente – de seu companheiro abraçado e aos beijos com uma jovem loura, na porta daquele maldito imóvel comercial de sua propriedade, que ele insistia em manter fechado e não alugar. Estava bem distante, não pôde reparar direito, mas a mulher parecia bela. Nada falou, escondeu do próprio filho, pois sua atitude covarde e doente a envergonhava sobremaneira. Não! Não podia sequer imaginar a possibilidade de perder Lúcio, era loucamente apaixonada!

Será que ele iria mesmo para a universidade? Será que não teria um novo encontro com a amante? Mas ofereceu carona a Juliano! Talvez porque tivesse certeza de que o rapaz não aceitaria... Alice, atormentada, resolveu segui-lo.

Ele beijou-a com pressa e saiu. Também ela, ao seu encalço.

Foi tal imaginava. Parou o carro em um local estratégico, que favorecia a visão sobre o que acontecesse à porta da loja fechada. Lúcio estacionara em frente, como se aguardasse alguém. Em seguida, a porta do imóvel se abriu. A mulher loura estava em seu interior. Trajava um esvoaçante vestido florido. Lindo! Trancou a porta e foi ao encontro de Lúcio, entrando rapidamente em seu carro. Um beijo alucinado entre eles ardeu no coração de Alice! Trêmula, incapaz de concatenar as ideias, permaneceu seguindo-os.

Atravessaram a cidade. Por absoluto golpe de sorte, Alice não provocou algum acidente, pois estava cega! Cega de revolta! Cega de nojo de si! Cega de inveja da outra!

O casal entrou num motel muito simples, de beira de estrada. A desesperada mulher traída entrou logo atrás. Não foi difícil comprar solidariedades de recepcionista e camareiro... O casal pediu rosas brancas. Alice, seiscentos reais mais pobre, foi levar...

Ao toque da campainha:

– Meu amor, nossas rosas chegaram. Vou espalhá-las na cama, enquanto termina o banho.

Assim que Lúcio abriu a porta, a humilhada mulher adentrou-se ensandecida, arfante, tremendo dos pés à cabeça, a rugir como leoa faminta, em direção à toalete. Ainda pôde avistar, jogados sobre a poltrona, o vestido estampado em florais e um emaranhado de longos cabelos louros. Uma peruca!

– Onde está a desgraçada? Onde está?

Ao deparar-se, tão de perto, com todo o encanto daquele semblante feliz, todo o frescor daquela juventude, toda a maciez daquela pele, toda a beleza daquelas formas que recebiam, delicadas, as gotas mornas e firmes lançadas pelo chuveiro, Alice sentiu desprezo por si. E culpa! Não sabia bem porque, mas tinha muita culpa! Veio à sua memória a perceptível aversão que o filho nutria por Lúcio. A mochila pesada! Gritou ainda mais alto:

– Perdão, meu filho! Perdão!

E prostrou-se de joelhos ante o corpo despido e molhado de Juliano.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 29/10/2012
Reeditado em 29/10/2012
Código do texto: T3958266
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