Os plantadores de batatas
Vivo de batatas. Planto regularmente. O meu pequeno terreno só dá batatas. Já experimentei outras culturas, mas fracassei. Confesso que estou um pouco enjoado dessa batatada toda. Até sou conhecido na magnífica cidade de Armendara como o Batata.
Mas lá há muitos Batata porque esse povo é invejoso como o que. Quando viram que eu tinha sucesso com o cultivo, todo mundo resolveu planta-las. E agora temos batata caindo pelo ladrão... Fazer o que com tanta batata, não temos como exporta-la, nem vender nem trocar por qualquer outra coisa?
Então, digníssimo, pus-me a pensar o que fazer com as sobras. Doce de batata é uma saída, já que os açucares são um bom modo de conservação. Mas açúcar aqui em Armendara é uma raridade, tão valorizado quanto uma droga tóxica. Bem, sempre há o mel que roubamos de abelhas selvagens. Batata com mel, uma pasta doce que fermenta com facilidade. E assim, por puro acaso, acabei inventando o gim, uma bebida do cacete, e a vodka, tudo dependendo da mistura proporcional de batata, mel e ervas aromáticas. E o segredo guardei a sete chaves. Há, há, há, esses ignorantes nunca vão descobrir a alquimia do álcool espirituoso.
Tornei-me o rei da batata. Troco 60 quilos de batata por um litro de gim, ou meio litro de vodka, e o povo faz fila para negociar comigo. Outro dia até o prete, esse padre falsificado que mantém o povo nos eixos, respeitoso e temente às autoridades centrais e invisíveis que moram no monte Armendarau, aqui esteve a me convencer a fazer doação mensal de 10 litros de gim para a sua igreja:
- É para os trabalhos das missas, compreende? - disse o prete – aqui não temos vinho, o que seria o indicado.
Bem, acabei doando, em troca de um lugar no céu. Sei muito bem que esse prete de araque me enganou. O meu lugar no céu não está garantido. Em compensação, resolvi batizar o gim do padre com 30% de água benta. Assim ele não terá que dizer a missa completamente bêbado.
E assim vamos vivendo. Monopolizei as batatas de Armendara. Agora eles não têm mais nada para trocar comigo. Estão em estado de torpor. E logo trocarei gim pelas suas mulheres.
Tudo ia muito bem até que apareceu uma garrafa de uísque no mercado. “Made in Armendara” dizia o rótulo. Qual foi o desgraçado que me roubou a idéia? Experimentei daquela bebida e senti um gosto de querosene de aviação. Aquilo podia ser uma falsificação, algo muito perigoso, poderia ser metanol, álcool de madeira que provoca cegueira.
Então foi assim que se acabou o meu negócio. Uns fiscais do governo central fantasmagórico do monte Armendarau vieram e lacraram o meu galpão. Um deles me aconselhou a fazer uma abertura lateral e continuar fabricando clandestinamente, uma pequena quantidade. “Ao menos para a missa!”. Assim foi dito e assim se fez.