Prosa Armendara (mini-conto)
“Esvaziai a cabeça, irmão, não se pode acrescentar nada ‘a um copo cheio!”, disse o prete, enquanto acendia uma longa vara de incenso.
“Bem”, pensei, “assim é bom, não ter nada na cabeça, nem leis, nem responsabilidades, nem mandamentos, nada, absolutamente nada”.
Mas dentro da minha caraminhola, um ponto vermelho surgiu e correu e ocupou todo o espaço, até que o mundo todo fosse vasto em vermelho. È sangue. O sangue da vingança.
O prete – era um padre não ordenado, um sacerdote clandestino, que não paga impostos nem obedece ‘a qualquer ditadura hierárquica, e que serve naquele mundo por falta de coisa melhor.
“O que fez aquela mulher?” perguntou o prete.
- Me traiu, me botou chifres com todo mundo!
O prete riu. Os assistentes caíram na gargalhada.
- Então o senhor não vê que aqui, em Armendara, não temos mulheres suficientes para todos! As mulheres devem ser compartilhadas, como a água da nascente da praça em que todos podem beber.
- Com licença, senhor, de acordo com o contrato imperial, palavras que o senhor mesmo proferiu, deveríamos nos amar para todo o sempre, na riqueza e na pobreza, até que a morte nos separe...
- E está valendo, disse o prete. Mas aquela mulher, eu já casei com mais de trezentos... E ninguém falou sobre excluir da mente. Continue pensando que ela é só sua... Mas se contenha. Nunca mais porás as mãos nela. Só no ano que vem.
O prete e seus amarra-cachorro, novamente, gargalharam. Estavam rindo de mim e de minha ingenuidade. Saí do templo maldito jurando nunca mais voltar, nunca mais pedir qualquer coisa para aquele deus enganador.
“Empulhação, empulhação”, pensei ao sair. “ Mas acho que ela me ama”.
Parei na praça, e me refresquei na fonte, demoradamente, pensando na história do rapto das sabinas, enquanto o sino badalava chamando o povo para a missa.