O HOMEM DA PRAÇA

Aos domingos, a praça conhecida como Campo Grande, ou Praça 2 de Julho fica repleta de gente, de todas as classes sociais. As domésticas faziam ponto para a paquera. Soldados do Exército, porteiros, vigias noturnos ,cobradores de ônibus, desempregados e coroas beberrões que buscavam, ali aventuras das mais diversas com mulheres jovens e pobres - porém, ricas em desventuras – oriundas do interior da miséria e da fome. Buscavam ali a oportunidade de encontrar alguém que as bancassem, livrando - as das patroas e dos baixos salários. Qunado, não queriam mera diversão- tomar uma cerveja, um refrigerante e ter uma noite de apertos no escurinho das grandes árvores, que por ali se distribuiam. O largo tem regiões em penembra, o idela para o namoro-e até para o crime.

As pessoas circulavam pela praça, alguns sentados nos bancos de cimento cru que circundavam as plantas, ou nos bancos de madeira e ferro. Estavam em grupos, ou em duplas. Casais namoravam. Tomavam cerveja em latinha, refrigerante, água mineral. Comiam pipoca, cachorro-quente, e outras porcarias. Famílias inteiras acompanhadas com crianças ali faziam ponto aos domingos e feriados. Era gente dos bairros periféricos, ou que “graxeravam” pela área.

Os moradores eram de classe média, e não se misturavam. Aos domingos permaneciam em suas caixas herméticas perto do céu vendo tv ou “navegando”. Das janelas observavam o movimento e as coisas bizarras que aconteciam. Brigas de namorados, ou um cigarro de maconha que rolava num grupo de amigos. Um casal trepando atrás de uma árvore, despudoradamente. Mijadas nos postes, latas de refrigerantes jogadas no chão, saquinhos de pipoca na calçada, copos descartáveis jogados na grama. Beijos longos na boca, molhados, mãos nos seios, mãos apalpando o membro por dentro da bermuda – uma dupla de policiais desfilando impassíveis.

Um sujeito não se cansava de rodar pela praça. Observava as pessoas. Sentava, dava um tempo. Levantava-se e circulava observando as mulheres. Até que escolheu uma para abordar. Era visível o seu nervosismo.

A mulher estava numa ponto pouco iluminada e deserto. Era uma área onde todos se mantinham distantes. Ele se sentou ao seu lado. Um segundo depois lhe dirigiu a palavra.

- Acho que somos amigos.

- Como?

-É, acho que somos amigos – repetiu ele, olhando-a nos olhos.

Ela entendeu a abordagem como chula e pobre. Provida de um sujeito sem bom senso, pouco inteligente e nada interessante. nenhuma elegância, ou sutileza-total falta de charme.

-Sinto muito, mas não te conheço, não.

- Você estudou em que escola, o primeiro grau?

- Ah, meu amigo eu não estou afim de conhecer ninguém, não. E não falo com estranhos. Estou aqui apenas para respirar um pouco de ar fresco.

- Pode me da um chance? Posso lhe refrescar a memória, juro. Sei que somos amigos...fomos colegas de sala de aula, estudamos juntos.

Querendo lhe pregar uma peça, achando-o um sujeito idiota, ela falou:

-Estudei na escola Santa Clara.

- Odeio pessoas que mentem. Você estudou comigo, juro. Você é que não se recorda de mim. Não precisa brincar comigo. Desde que você chegou que te observo e tentava me lebrar de onde...não minta a sua escola, quer dizer, nossa.

Ela, então, lhe disse:

-Eu fiz o primeiro grau no Luiz Tarquínio, na Boa Viagem.

- sala...

-Md23.

-Isso mesmo, eu sentava nos fundos. Era muito tímido. É um exagero dizer que somos amigos, mas já tomamos vinho juntos. A turma toda, algumas vezes.

-É, a gente bebia vinho mesmo e os meninos...mas não me lembro de você...

- Fumavam maconha...

Abruptamente, ela se levantou, olhou-o com desdém. Afastou-se e foi embora. Alguns metros distante dele, redarguiu:

-Sou do interior, nunca estudei aqui na capital. A sua cantada é uma merda, idiota. Você é muito feio e se veste muito mal. O seu desodorante é intragável. Esta cantada fraca...além do mais acho horroroso homem andar com celular pendurado na cintura. Brega demais. cai, fora...

Ele deixou de importunar ás demais mulheres do parque. Recolheu-se em si mesmo, ali, escolheu um banco que estava em penumbra, distante da iluminação dos postes, um que ficasse cercado pelas árvores frondosas. As pernas cruzadas. O celular pendurado na cintura. A garota que o recusara passou por ele algumas vezes, acompanhada por duas amigas. Longo tempo depois, a praça foi esvaziando. Ele não saiu do banco que escolhera para recolher-se. As horas passaram, e ficou ali, como se fosse parte integrante do mesmo. O pipoqueiro arrumava o seu carrinho – o seu destino era já conduzí-lo para o depósito que ficava do outro lado da rua. Os vendedores de cerveja e demais bebidas geladas em caixa de isopor, foram se reduzindo de forma radical. Poucas pessoas na praça. A noite passando. A dupla de policias sumiram, do nada – a praça estava entregue ás traças.

- Azar o dela... mas, fazer isso, não...isso não...

Disse, erguendo-se do banco. As três eram domésticas de prédios próximos- velhas conhecidas da praça. Ele atravessou a rua, foi na direção do ponto de ônibus. Falou consigo:

“ Gostaria de fazer isso, mesmo?, Ela me recusou...normal, não acha”?

Uma chuva, do nada caiu. Praguejou, por sorte, o ônibus surgiu na curva do largo. Deu com a mão, entrou no ônibus e foi embora. A praça estava vazia – passava das onze da noite.

Na semana seguinte, mais um domingo na praça, no largo do campo grande – Praça 2 de Julho.

O mesmo movimento de sempre: domésticas, calangos do exército, desempregados, coroas em busca de aventuras com jovens domésticas, porteiros de folga, vigilantes em busca de namoradas. O pipoqueiro vendendo as pipocas para as meninas e para as crianças. Pais e mães com as crianças. Vendedores de cervejas no isopor. Namorados de mãos dadas. Uma dupla de policiais. A classe média vendo o domingo da praça da janela. E ele, de volta:

- Em busca de uma colega de sala de aula... sei que uma delas, há de estar por aqui...

Então, arriscou, sentando-se ao lado de uma jovem que estava solitária, sentada num banco, envolto por frondosas árvores.

- Olá, recordo-me de você, estudou comigo?

- Não me recordo muito bem, talvez, mas não me recordo.

Ela disse, rindo. Os mesmo olhares para o celular na cintura( brega), o desodorante barato – um odor que não a agradou. A camisa de botões, de bolso do lado. O cinto de couro cru comprado na Baixa dos Sapateiros. Ela chegou a deduzir que a sua cueca devia ser velha e furada nos fundilhos. Os sapatos rotos, empoeirados – notou que havia se confundido com as meias marrons – eram de tonalidades diferentes.

- Eu estudei no colégio Dom Avelar...

Ele disse.

- Eu estudei no Cassiano Queiroz, na Ribeira.

E, levantou-se, afastando-se dando uma risadinha, até deu um tchauzinho sem compromisso.

Ele se recolheu no mesmo banco, recolhido em si mesmo- ali, na penumbra, sentado no mesmo banco de sempre. Ficou ali, estático, quase sem piscar os olhos, suava frio. so se levantava quando a praça estava vazia.

E, assim por muitos domingos, usando da mesma artimanha:

- Eu me recordo de você, estudamos juntos, não se lembra de mim?

A jovem nos seus quinze anos, cheia de vida riu – ria sem parar, até que perguntou?

- Onde estudamos juntos, tio?

- Eu estudei no colégio Amoreira, na baixa do Bonfim, sala D55, lembra-se?

Ela negou, afastando-se, rindo, e muito.

Ele, ficava mais uma vez sentado no banco, entre ás árvores, na penumbra, até que as horas se passassem e todas as meninas e mulheres sozinhas tivessem ido embora. Dizendo, como sempre para si mesmo, de forma sussurrada:

“ Não... não....vou fazer... uma forcinha a mais e fico aqui, quietinho... , não...por favor, não me peça para fazer isso. Vou ficar aqui, quietinho, escondido nas sombras, no banco de sempre, até todas elas irem embora..., não, não quero – tenho sido forte, por todos esses anos... ela não me quis, por quê me manda fazer isso? Posso encontrar as minhas colegas de escola... não vou fazer... não vou matar ninguém, so quero matar as minhas antigas colegas de escola...”

FIM

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 03/10/2012
Reeditado em 06/08/2013
Código do texto: T3913615
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