(MAIS UM)A REVOLUÇÃO DOS BICHOS

QUANDO OS CACHORROS -finalmente! Alguém já deveria ter tomado essa providência há tempos!- começaram a falar, para assombro de todos e irritação das autoridades, obrigadas a baixar novos decretos e etc., a primeira coisa que disseram a seus donos perplexos foi:

- Sabem aquele cafuné que vocês sempre nos fazem, esfregando nossas orelhas?

- Sim? O que é que tem?

- Nós odiamos. Por favor, nunca mais façam isso.

- Mas... Mas vocês até viram a cabecinha de lado assim, ó...

- É porque nós ficamos completamente transtornados. O ouvido canino também tem labirinto -e vocês deviam saber disso!- e ele é, aliás, quatro vezes mais sensível do que o ouvido humano; vocês podem imaginar o desconforto. Por favor, nunca mais façam isso.

A partir desta terrível revelação, dessa reivindicação mesclada com crítica, o relacionamento entre homens e cães nunca mais foi o mesmo. Aquela velha e alegre e cordial intimidade deu lugar a um certo formalismo desconfiado, a um esfriamento, a um cauteloso e constante pisar em ovos, por mais que todos se esforçassem para demonstrar que tudo estava bem, que todos estavam ótimos, que tudo continuava normal, que tudo continuava absolutamente normal. A decepção pairava no ar, mesmo que a velha rotina de sempre permanecesse imutável: sim, os cães ainda balançavam rabos alegres quando viam seus donos, ainda eram alimentados por eles, ainda pulavam sobre eles na volta do trabalho, ainda eram levados diariamente a passeio, ainda dormiam aos pés de suas camas, e além disso não houve novas reivindicações; entretanto, alguma coisa antiga e feliz e indefinível havia se perdido. Ninguém dizia nada, mas, no íntimo, todos, cães e homens, lamentavam que o encanto entre eles, aquele antigo deslumbramento cúmplice, houvesse se quebrado.

Não sem motivo, determinados conhecimentos são vedados aos homens.

paulo marreco
Enviado por paulo marreco em 02/10/2012
Reeditado em 04/11/2014
Código do texto: T3911770
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