MAS LOGO AQUI NO MEU QUINTAL?
 
            Ele surgiu de repente no quintal da casa aqui do sítio, era um homem branco, branco como cal, a começar pelos cabelos. Trajava-se de negro. Fitou-me ali na janela e me paralisou com seu olhar. Seus olhos: redondos, de animal felino. Foi para o celeiro, saiu de lá carregando um rolo de arame farpado e estacas. Assim, o rolo debaixo do braço sem se importar com as garras. Cercou um pedaço de terra, pegou água do poço, encharcou o solo e jogou pequeninas sementes redondas e rútilas sem se preocupar em abrir covas. Voltou para o celeiro e por lá ficou, eu ali, na janela, paralisado. Às vezes penso que ele estava tirando uma soneca. Enquanto o ser dormia, cinco pés de uma planta esquisitíssima começaram a nascer com um peculiar formato humanóide. As plantas tinham uma fedentina insuportável, de carne decomposta, de bueiro a céu aberto, e atraíram uma fauna indescritível de animais carniceiros que eu sequer imaginava que pudesse existir em meu pedaço de terra. Ficaram rosnando uns para os outros, às vezes se engalfinhavam.
            O homem saiu do celeiro e os animais fugiram esbaforidos, entrou em minha casa, pegou-me pelo meio da cintura como se eu fosse um boneco inflado e me levou para o quarto, deitou-me na cama e se acomodou numa cadeira. Seus olhos de felino fixavam-me, impassíveis. Lá fora, um barulho de máquina moendo pedras. Um barulhão que durou pelo menos umas duas horas. Então na porta do quarto surgiram três homens e duas mulheres, brancos como louça, figuras altas, vestidas de preto. O homem levantou-se da cadeira e saiu do quarto, os seres fantásticos o seguiram. Em poucos minutos meu corpo voltou ao normal, nenhum resquício da paralisia em meus membros. Saí à porta, vi-os sumindo para além dos rochedos nus. No pedaço de terra, só existiam agora estacas e arames.
            Os dias passaram-se e tentei esquecer aquele incidente, mas ontem, durante uma pescaria solitária, fisguei no córrego que passa aqui perto de casa um peixe muito perturbador. Era branco como leite – e tinha olhos de felino.