Triste Fim
Nasce o Sol por detrás dos morros repletos de árvores. Abrem-se os portões do zoológico, e mais um dia de trabalho se inicia. Sementes e grãos para as aves, frango para os felinos, e banana pros macacos. A leoa espera o leão comer primeiro, e em seguida os filhotes brigam pelo resto. Os cervos correm pelo gramado, enquanto as girafas mastigam o feno. E pouco a pouco, os animais mais estranhos começam a entrar no zoológico: humanos.
Logo na entrada, um viveiro com grandes aves brancas de cabeça vermelha, que jamais conhecerão o resto do parque. Seguindo pelo caminho, o viveiro do urso de óculos, que apesar do nome, só tem uma pequena mancha branca na face. Ele anda pelo gramado, depois sobre as pedras, e entra numa espécie de banheira natural, de costas para o público, como se enjoado deles. Ao lado, a jaula dos leões, sempre com muitas crianças gritando "Simba!", que por sinal, foi o nome dado ao macho.
Num ambiente com mais sombra e bastante úmida, a lontra brinca na água cristalina, dando cambalhotas por debaixo d'água e nadando de costas. Os três hipopótamos parecem enormes massas cinzas sobre quatro patas, e se movem como se cada passo fora e dentro da água fosse em câmera lenta. O tigre, como sempre, dormindo, enquanto deixa seus dois frangos depenados e sem cabeça no meio da jaula, esperando a hora do almoço. E sozinho, num viveiro com muitos troncos e galhos montados, e mesmo uma casinha construída, está ele, o parente mais próximo daqueles visitantes diários: o chimpanzé.
Sentado no degrau da porta, ele descasca e come uma banana enquanto olha pro horizonte. Sua semelhança com os seres humanos é assustadora, e alguns comentam que se vissem ele sentado num bar, nem daria pra notá-lo. Ele se levanta do degrau e dá uma volta vagarosa pelo viveiro, o suficiente para notarem que ele está completamente solitário ali dentro. Não tem ninguém para cutucar, coçar, brigar, ou mesmo discutir a relação. Tudo o que aquele chimpanzé tem são olhares e mais olhares, diariamente, daqueles que são tão parecidos com ele, mas que só olham de fora.
Uma coisa que ele odeia é ser acordado. Sempre tem um outro que dão um grito, como se fosse para ver a próxima reação. Aquilo não faz sentido. Por que existem tantos deles? Eles nunca estão sozinhos. E a vida deles não se restringe à um viveiro de 100m², contornado por água. Se somos tão parecidos, por que eles podem fazer o que quiserem e eu fico aqui trancado? É o que ele diria, se pudesse se expressar com palavras.
O Sol vai se pondo, e as pessoas começam a deixar o parque. O chimpanzé ainda está sentado no degrau da porta, e agora pode observar o céu estrelado e a Lua. O céu muda todo dia, seu mundo não. Se pudesse desejar alguma coisa, seria para ser como todos os outros, e andar pela Terra, conhecer os lugares, outro chão, outro céu. Então ele olha para a Lua, e implora. "Por favor, não quero continuar aqui".
Mais uma vez amanhece, e o dia começa no jardim zoológico. No viveiro do chimpanzé, ele não se move se não para piscar. Alguns curiosos o observam, e um ou dois funcionários do parque notam que algo está errado. Logo, vários deles estão em volta da jaula, olhando aquele ser solitário, quase um humano. Como uma estátua que ganha vida, ele levanta seus olhos e encara a multidão. Um por um. Encara-os, num misto de ódio e inveja. Levanta-se, abruptamente, e com os olhos fixos na multidão, caminha para o centro da jaula. Iria mostrar como podia ser humano. Mostraria à todos eles que também tinha um traço de humanidade. Pegou então um galho do chão, e precedido de inúmeros gritos do público, perfurou sua própria garganta, até que aquele afiado galho saísse pela sua nuca com jatos de sangue por ambos os lados. Crianças choram, enquanto seus pais tentam tapar seus olhos; mas o que aconteceu naquele trágico dia jamais poderia ser esquecido: o triste chimpanzé, como um humano depressivo, cometeu suicídio com lágrimas nos olhos.