A MENINA QUE ROUBAVA ESTRELAS

O MISTÉRIO.

Penélope invadiu de forma desastrosa – para dizer o mínimo – a sala de aulas de astrofísica deixando em estado de choque alunos e professor. Aquilo não era incomum, especialmente em se tratando da jovem interiorana desacostumada com a vida nos grandes centros, inclusive em um campus universitário como aquele. Afinal, ela era bolsista e não podia queixar-se da sorte, mesmo sabendo que seu perfil era um tanto quanto desconcertante para seus colegas universitários e o corpo docente.

Além do mais havia ainda as barreiras da língua (Penélope era latino-americana: colombiana para ser mais preciso), bem como a cultura e os relacionamentos familiares próprios dos povos latinos, mais acalorados e profícuos em suas posições e comportamentos.

Com sempre ela estava atrasada e aquela invasão não fora algo premeditado, apenas consequência de noites a fio espiando o universo em busca de informações que pudessem ajudá-la no desenvolvimento de seus estudos. Mesmo muito aplicada ela sentia-se em desvantagem em relação aos demais alunos da cadeira de astrofísica e sempre que podia estava atualizando suas informações e pesquisas mais recentes.

Assim é que, chegar atrasada para ela tornara-se algo corriqueiro e aquelas entradas atabalhoadas consistiam em parte do perfil que construíra para seus colegas e professores. Deixando a porta chocar-se contra o batente à suas costas, olhou com aquele olhar de animal assustado enquanto era observada pelos vários olhares à sua volta. Abaixou a cabeça e procurou um lugar para sentar o mais depressa possível, antes que a chacota geral tomasse conta do ambiente.

Quando o horário de aulas terminou – finalmente – Penélope correu até a sala dos professores em busca do seu orientador e amigo o mestre em pesquisa aeroespacial o professor Muriarte. Precisava comentar com ele o que tinha constatado na noite anterior. Ele precisava ver aquelas anotações e imagens digitalizadas e ajudá-la a buscar uma explicação lógica para tudo o que estava acontecendo. E lá se foi em mais uma entrada triunfal!

Com a ajuda de Muriarte, que abaixou-se para pegar os papéis e livros que haviam se espalhado pelo chão quando a jovem perdeu o equilíbrio e foi ao solo em uma queda digna de cinema americano, Penélope não perdeu tempo em rapapés correndo sentar-se em uma cadeira e por sobre a mesa suas anotações e as imagens que obtivera na noite anterior para mostrá-las ao professor que, com sua experiência seria capaz de encontrar uma explicação lógica para tudo aquilo.

O bom professor sentou-se ao seu lado e passou a examinar aquela calhamaço de papéis em absoluta desordem intelectiva, bem como aquelas imagens que ela obtivera com o uso do telescópio eletrônico da universidade e que era utilizado pelos alunos como instrumental de pesquisa. Seus olhos olhavam, e olhavam, porém nada daquilo parecia fazer sentido. Era tudo muito, … incomum (para não dizer estranho).

Após algum tempo ele olhou para a aluna que continuava com o mesmo olhar assustado de sempre, mas, ao mesmo tempo com aquela curiosidade natural dos jovens cientistas que apostavam suas vidas em troca de compreenderem o funcionamento do nosso universo. Muriarte sabia muito bem que Penélope era uma pessoa especial: sua dedicação ao estudo e à pesquisa revelaram-se além das expectativas cultivadas pela universidade como também além das suas próprias, deixando claro que ela era uma menina de enorme potencial.

Penélope não conseguia mais esperar e antes mesmo que seu professor dissesse qualquer coisa ela desandou a falar com uma assustadora verborragia técnica. Muriarte, por sua vez, ouviu-a como sempre fazia, mas em dado momento interrompeu o discurso para dizer que alguma coisa estava errada nas avaliações que ela fizera sobre aquele fenômeno e que o melhor a fazer era – pela ordem – descansar um pouco para ordenar melhor as ideias e depois refazer a análise desde o início.

A menina ainda que tentou, mas a inflexibilidade do professor aliada à sua docilidade deixaram-na sem ação, não deixando-lhe outra alternativa senão retirar-se para o alojamento. E enquanto fazia isso, Penélope conjecturava consigo própria sobre o que havia descoberto na noite anterior: inexplicavelmente ela notara que um fenômeno espacial estava acontecendo já algum tempo: desde o início daquele ano letivo, a jovem deitara suas atenções a algumas estrelas de galáxias bem distantes que somente podiam ser observadas pelo rádio-telescópio – um enorme equipamento de vasculhamento do espaço exterior – que retornava suas imagens na forma de dados digitais que podiam ser condensados e reunidos em um programa de computador que prosseguia com o trabalho tabulando dados, comparando informações e estabelecendo relações entre eventos antes considerados de forma isolada.

Durante este trabalho árduo e cansativo Penélope percebera que algumas estrelas apresentavam um comportamento irregular com a intensidade de seu brilho variando de forma bastante desordenada até que, em dado momento, esse brilho simplesmente desaparecia revelando uma estrela morta que já não possuía energia própria para sobreviver.

Poderia parecer um evento comum se analisado a partir do fenômeno das anãs brancas – pequenas estrelas em processo de nascimento que subitamente perdiam sua energia e morriam até serem absorvidas por um buraco negro (elemento galático que absorve energia e a seguir remete-a para o “outro lado”, ou lado desconhecido). Todavia, Penélope comparou todos os dados disponíveis e percebeu que o comportamento dessas estrelas que perdiam a luz em nada se aproximava do evento relacionado com as anãs brancas, deixando um vazio cognitivo que atiçara a curiosidade da jovem.

Seus dados não estavam incorretos e nem mesmo precisavam ser revistos (aliás, ela já fizera isso centenas de vezes, sempre chegando ao mesmo resultado), o que ela tinha nas mãos era um fenômeno inexplicável que destruía estrelas retirando sua energia vital e remetendo para algum lgar desconhecido. E se isso pudesse ser constatado, ela tinha percebido algo que poderia afetar o equilíbrio do universo, já que essas estrelas sem luz ou energia acabavam por desviar-se de suas rotas originais vindo a colidir com outros elementos causando devastação e prejuízos energéticos incalculáveis, e que, em algum momento, chegariam até a terra afetando – muito provavelmente – a existência da espécie humana.

Ela sabia que não estava errada, mas enquanto não fosse capaz de convencer alguém de que ela havia detectado algo de incomum (para se dizer o mínimo), não seria possível alertar as autoridades para que alguma ação fosse engendrada. De qualquer forma, ela tinha certeza de uma coisa: seus cálculos não estavam incorretos e alguma coisa precisava ser feita.

Assim atribulada, chegou ao alojamento e no exato momento em que deitou-se na cama adormeceu um sono de pedra (ou melhor de estrela morta), somente vindo a acordar no final da tarde quando as luzes do sol já não mais estavam entre nós e a noite apresentava-se para a sua vigília costumeira.

Penélope acordou muito assustada; afinal, como dormira tanto assim? Não estava acostumada a dormir tanto e muito menos um sono tão pesado que mal podia abrir os olhos cansados e ainda meio turvados pela reanimação forçada. Pensou por alguns minutos sentada na borda da cama do seu alojamento e depois de despir-se correu para o chuveiro imaginando que um banho seria a melhor forma de reordenar suas ideias.

Mais uma correria até o restaurante do campus a tempo de pegar o jantar. Comeu o que estava a sua frente com a sofreguidão de sempre, tendo ao seu lado alguns livros e suas anotações sobre o assunto que tomara todo o seu tempo ao longo daquele semestre. Sentia saudades de sua cidade natal, de seus pais e amigos que ficaram para trás quando ela aceitou o convite para uma bolsa integral de estudos no centro de astrofísica daquela renomada universidade do meio-oeste norte americano, como também sentia saudades da segurança do seu lar. Naquele ambiente desconhecido e um tanto quanto áspero, ela, de início, teve diversas dificuldades de adaptação e precisou lutar para conquistar seu espaço, já que além de mulher era latina e colombiana.

Não demorou muito para que ela fosse percebida por alguns professores, especialmente o professor Muriarte, que além de ser um excelente educador, também tinha com ela laços de origem e de comportamento, e que forneceu a ela todos os meios disponíveis para que seus estudos pudessem desenvolver-se da melhor forma possível. E o resultado logo veio a aparecer quando em uma monografia sobre buracos negros, ela descobrira que estes eram capazes de absorver matéria e revertê-la na forma de energia, como também podiam fazer o processo inverso.

Essa pesquisa rendeu-lhe certa notoriedade, mas principalmente concedeu a ela a chance de ser respeitada pelos demais, e mesmo sem muitos amigos percebeu que poderia ali mesmo demonstrar que tinha um potencial que poderia vir a ser aproveitado.

Ainda envolvida por essa nuvem de pensamentos, Penélope foi surpreendida pela chegada de seu amigo Ulysses, um jovem estudante de geofísica que tornara-se – aos poucos – o melhor amigo dela. Afinal, ele não era uma pessoa comum: era bonito, inteligente, bem-humorado e nada o tirava do sério. Irritação não era uma característica de Ulysses. De bem com a vida era mais que um lema, era a razão do seu viver.

Antes mesmo que ele pudesse perguntar-lhe alguma coisa, Penélope começou a falar de modo descontrolado sobre sua investigação e as descobertas estranhas que fizeram a respeito do brilho das estrelas que estavam desaparecendo. Ela falava, e falava até faltar-lhe o ar, e mesmo assim continuava falando. Ulysses ouvia atentamente tudo que a amiga dizia, mas não conseguia conter a vontade de rir daquela menina desesperada por conhecimento e que tinha em seus estudos a única razão de viver. Ele achava aquilo o máximo!

Quando finalmente terminou sua explanação Penélope olhou para o amigo e viu aquele rosto iluminado fitando-a com intensidade e com um calor que ela sempre percebera, porém jamais tivera tempo de pensar sobre ele. De qualquer modo, Penélope queria realmente saber o que ele pensava sobre tudo aquilo que ela havia dito.

Ulysses – saindo do transe momentâneo em que fora inserido por aquele olhar de anjo – e teceu alguns comentários, demonstrando que algumas dúvidas precisavam ser sanadas antes de buscar-se a solução ideal para o problema. E a primeira pergunta a ser respondida era para onde a energia e o brilho da estrela estavam sendo enviados? Se essa pergunta pudesse ser respondida, o porque seria uma consequência.

Penélope adorara a colocação de Ulysses; afinal de contas a causa do fenômeno não estava na própria estrela, mas fora dela e essa causa seria a razão para explicar o acontecimento. Mas como ela poderia descobrir isso? “Já sei!”, pensou ela, levantando-se da mesa como um raio e após pegar suas coisas tomou seu amigo pelo braço arrastando-o em direção à porta de saída. Ulysses, mesmo não entendo nada do que estava acontecendo, achou por bem deixar-se levar, já que era costumeiro Penélope agir antes de falar (ele já a conhecia muito bem nesse sentido).

Com passos rápidos e desordenados, Penélope e seu amigo dirigiram-se ao centro de pesquisa astronômica, indo diretamente para a unidade de radio-comunicação. Lá chegando, Penélope sentou-se em uma unidade de comando e passou a digitar dados de forma insana. E enquanto digitava falava alto, mesmo sem perceber que Ulysses estava ali, ao seu lado.

Ela dizia que se enviasse uma sonda de rádio para uma das estrelas mortas utilizando-a como ponto de repetição, o sinal seria devolvido à origem – ou melhor, ao ponto exato para onde a energia teria sido enviada – já que energia deixa um rastro que pode ser capturado e acompanhado, como uma sonda espiã. Penélope estava tão agitada que seu jeito parecia quase insano, um tanto preocupante para seu amigo que apenas podia olhar sem nada poder fazer.

Penélope enviou o sinal e ficou aguardando. Alguns minutos se passaram e ela continuava ansiosa esperando que uma resposta viesse o mais rápido possível. E aqueles minutos foram se transformando em minutos muito demorados – quase tornando-se horas – até que Ulysses pousou sua mão sobre o ombro da amiga lembrando-a de que este procedimento exigia um certo decurso de tempo já que o sinal viajava à velocidade da luz, porém encontrava-se restrito às barreiras temporais do espaço.

Meio que desanimada, Penélope concordou com o amigo embora permanecesse desconcertada com as traquinices do espaço exterior. Ulysses disse que o melhor a fazer era retornar ao alojamento e descansar um pouco. Provavelmente de manhã ela teria notícias da sonda que enviara.

O dia veio e encontrou Penélope mais parecendo um zumbi em seu dormitório. Mal pregara os olhos durante a noite; a ansiedade pelos resultados do seu experimento na noite anterior era tão grande que até sentira um pouco de dor no estômago. Assim que ela percebeu que o dia estava alto o suficiente, rumou determinada para a unidade de radio-comunicação. A bem da verdade essa caminhada foi interrompida pelos olhares curiosos dos demais alunos que já circulavam pelo campus, uma vez que ela percebeu estar vestindo ainda sua roupa de dormir – camiseta e calcinha cor-de-rosa! - algo que deixou-a sem ação.

Mais uma vez foi Ulysses que veio em seu socorro, trazendo nas mãos uma jaqueta grande o suficiente para cobrir aquele corpo franzino (mas adorável segundo seus pensamentos mais escusos), e providenciar sua retirada estratégica de volta ao alojamento.

A recomposição de Penélope foi tão rápida que o amigo nem percebeu quando ela já tinha saído do seu dormitório e dirigia-se para o centro de radio-comunicação. Ela precisava saber o resultado do seu experimento e descobrir algo que a ajudasse a encontrar a origem (ou mesmo o destino) da energia sugada das estrelas mortas.

O laboratório estava lotado de gente – aquela era a última semana antes do início do período de provas antes do recesso escolar – Penélope ficou mais agitada ainda, já que não havia um posto de simulação disponível para que ela pudesse conferir os dados da sonda. Tinha vontade de arrancar alguém do lugar a sopapos, mas sabia muito bem que isso não era do seu estilo. Assim, nada mais podia fazer a não ser esperar pacientemente.

Minutos foram passando e, lamentavelmente, tornaram-se horas. Penélope não podia mais esperar, pois o ciclo de aulas diárias iria começar em breve. A ponto de explodir de ansiedade ouviu a voz amável de Ulysses dizer-lhe que ela podia continuar esperando que ele faria as anotações de aula e depois repassaria para ela. Penélope olhou para o rapaz e pensou o que fizera de bom para merecer alguém como ele. Ulysses simplesmente não existia! Era um bom amigo, aluno exemplar e filho dedicado, e ela jamais fora com ele metade do que ele era em relação à amiga. Mesmo pensando assim, ela respirou aliviada e aceitou a oferta.

E não tardou muito para que o laboratório fosse ficando vazio como um cemitério próximo do horário de fechamento, permitindo que Penélope pudesse conferir os dados do seu experimento, inclusive sem a bisbilhotice de alguém inconveniente. Sentou na unidade de trabalho e digitou seus dados de acesso ao sistema. Em seguida lançou os dados iniciais do seu experimento e ficou aguardando enquanto o sistema processava as informações. E qual não foi sua surpresa quando os dados apareceram, porém com um bloqueio de tela de dizia: “DADOS PROTEGIDOS POR SIGILO FEDERAL – ENTRE EM CONTATO COM O ADMINISTRADOR DO SISTEMA”.

Aquilo foi a gota d'água! Como sua pesquisa de caráter acadêmico havia sido bloqueada pelo governo? Com que autoridade podiam fazer isso? E de onde partira tal ordem de bloqueio? Penélope disparou feito doida em direção ao edifício central onde localizavam-se as salas de aulas. Precisava urgentemente conversar com o professor Muriarte, pois apenas ele poderia explicar-lhe o que estava acontecendo. Tudo era uma enorme loucura!

Mais uma vez, Penélope avançou sala adentro sem preocupar-se com mais nada que não fosse encontrar seu professor e amigo. E desta vez ela deu sorte, pois o sinal já havia tocado e a sala estava ficando quase vazia. O amigo e professor estava sentado à mesa fazendo algumas anotações quando percebeu a aproximação de Penélope, e antes mesmo que ele pudesse esboçar um cumprimento, ela pôs a vociferar o acontecido com seu experimento.

Entre aturdido e surpreso, Muriarte procurou ordenar as ideias e pensar no que realmente estava acontecendo. Mesmo com o “ruído” provocado pela jovem, o experiente educador puxou pela memória, até que, … Lembrou-se! De um salto da cadeira, o homem de meia-idade pegou a mão da jovem e saiu em desabalada carreira em direção ao centro de informações da universidade.

O centro era uma espécie de “cérebro” que comandava e controlava todas as operações realizadas dentro do campus. Tratava-se de um acordo antigo entre os centros universitários voltados para astronomia e astrofísica e o governo norte-americano para que as pesquisas relacionadas com o espaço exterior deveriam passar pela análise da N.A.S.A ., e da N.S.A (a famosa agência de segurança nacional), sendo certo que eventuais experimentos que pudessem envolver o chamado “interesse nacional”, deveriam ser protegidos pelas agências.

Muriarte já passara por isso antes, e não apenas com seus alunos, mas com ele próprio. Ele se lembrava bem daquele verão quando ainda era um jovem pesquisador da N.A.S.A.; conferia algumas anotações a respeito de sinais de rádio recebidos de uma galáxia próxima que seriam respostas à sinais enviados pela terra, quando, repentinamente, alguém aproximou-se e de um único gesto tomou-lhe as anotações dizendo que elas referiam-se a assunto de segurança nacional e que ele não poderia mais ter acesso a elas.

Muriarte lembrava-se bem daquele rosto e do seu nome: Tenente Augustus Cesar, e que agora era coronel responsável pelo projeto de codinome “Andrômeda” - um projeto ultra-secreto do governo e desenvolvido desde os anos sessenta, cujo objetivo era conferir e contatar vida inteligente fora do nosso planeta – se havia alguém envolvido na pesquisa de Penélope, com certeza seria esse homem ou alguém a seu mando.

O edifício onde estava situado o centro de informações era algo surreal. Câmeras de vídeo inteligentes rondavam todos os cantos, de tal modo que não havia o chamado “ponto cego”. A entrada e a saída eram controladas por identificadores de retina e as salas de acesso ao sistema somente podiam ser acessadas por pessoal autorizado. Penélope e Muriarte entraram na recepção de modo muito discreto. Tratava-se de um átrio enorme com pé direito de alguns metros de altura protegido por vidros que adequavam-se à luminosidade exterior conforme as variações iam ocorrendo durante o dia e a noite.

Muriarte aproximou-se do balcão de segurança e cumprimentando um dos guardas que ali ficavam mostrou sua identificação “especial” (ainda reminiscências da época em que trabalhou para o governo). O guarda olhou-a e acenou assertivamente com a cabeça, indicando uma porta de aço laminado que ficava do seu lado direito. Muriarte caminhou até ela, tendo Penélope ao seu lado, e diante de um mostrador que mais parecia uma câmera de vídeo posicionou a retina direita e depois a esquerda. Um sinal luminoso que piscava em vermelho, mudou para uma cor amarelada e, a seguir, para verde, indicando que a entrada estava liberada.

A porta abriu-se revelando um enorme e longo corredor branco sem qualquer entrada em suas laterais. Caminharam por ele até darem para uma outra porta – agora de vidro – que assim que verificou a chegada dos visitantes abriu-se automaticamente. Penélope ficou em estado de choque com o que via ali dentro: milhares de servidores em rede conectavam-se a postos de trabalho totalmente informatizados e compostos pelo que havia de mais moderno em ciência da informação. Algumas enormes telas de cristal líquido transmitiam dados a altíssima velocidade, enquanto outras – ligadas aos mais importantes telescópios espalhados pelo globo (inclusive o Hubble) – mostravam imagens que ela sequer sabia que podiam ser captadas. Era algo fascinante!

Muriarte dirigiu-se até um jovem trajando jaleco branco com o símbolo da agência aeroespacial no bolso externo, cumprimentou-o como se o conhecesse há muito tempo e depois de uma breve conversa, olhou para a jovem indicando-lhe que caminhassem até uma estação de trabalho. Encontram uma que estivesse disponível e nela se instalaram.

As cadeiras eram extremamente confortáveis e os equipamentos estavam ergonomicamente instalados de tal modo que o seu operador realizasse o mínimo de esforço físico em seu trabalho diário. E o que falar daqueles equipamentos? Penélope sentiu-se dentro de um filme de ficção científica, e por um momento desconfiou de que algumas coisas mostradas pelo cinema não são tão fantásticas quanto se imagina.

Muriarte começou a trabalhar em um teclado virtual que apareceu à sua frente enquanto que a tela surgia a partir de um holograma tridimensional de alta definição. E enquanto o professor digitava, os dados apareciam e tornavam-se linhas de programação que iam sucedendo-se a imagens algorítmicas que combinavam-se em uma lógica somente inteligível para quem as estava processando.

Penélope olhava tudo com um olhar misto de espanto de de incredulidade – como poderia existir algo como aquilo dentro da universidade? E quem financiava tudo? - conjecturando que ela realmente ainda tinha muito a aprender. O professor ao seu lado, parecia tomado por alguma força interior que o abstraía da realidade; diante daquele equipamento ele parecia absorvido em si mesmo deixando de fora todo o resto. Ela sentia que ele fizera parte de tudo aquilo com corpo e alma. Era um projeto no qual ele não só participara, como também se dedicara inteiramente.

Subitamente, um sorriso surgiu em seu rosto. Ali estava a resposta. Muriarte não achou prudente fazer qualquer comentário; afinal o ambiente era monitorado e tudo podia ser compartilhado. Olhou para a menina e após teclar um comando esquemático, sinalizou que era hora de partirem. E assim o fizeram de modo rápido e discreto. E já fora do edifício, Muriarte disse a ela que deveriam encontrar-se a noite no prédio onde estava situada a biblioteca. Penélope, de início, inconformou-se com a sugestão do professor, mas ante o olhar enfático do mestre e amigo resignou-se com o determinado.

DECIFRANDO UM MISTÉRIO.

A noite demorou séculos para chegar. Penélope chegou até a pensar que fosse uma conspiração do sol para que ela não pudesse encontrar-se com seu professor. Ela contava os segundos tamanha era a ansiedade que mal a segurava dentro da sala de leitura da biblioteca. Já havia tomado várias xícaras de café e pensou que se fumasse já teria consumido alguns maços de cigarros. E quando o relógio bateu dezenove horas, ela percebeu que os presentes preparavam-se para retirar-se para seus alojamentos, já que em meia hora o prédio estaria encerrando suas atividades. Ela pensou que a qualquer momento o professor Muriarte apareceria para conversar com ela a respeito das informações que ele obtivera.

Porém, já passava das dezenove e trinta e o professor não veio ter com ela. Teria acontecido alguma coisa?, pensou ela. Será que ele desistiu de repassar-lhe as informações a respeito do seu experimento? E agora? O que ela poderia fazer? O que deveria pensar? Repentinamente seu celular vibrou e ela, após o susto tomado, olhou para sua tela e viu que era uma ligação do professor.

Ela imediatamente atendeu, porém a ligação foi interrompida antes mesmo de ser completada. Seguiu-se um outro alerta de mensagem de texto. Ela abriu a caixa de entrada e lá estava uma breve mensagem de Muriarte que dizia: “A biblioteca deixou de ser um lugar seguro. Encontre-me no anfiteatro que fica no centro de exposições em dez minutos. E não se atrase!”.

Penélope correu com tal rapidez que nem mesmo despediu-se da assistente de bibliotecária com quem sempre trocava algumas palavras e cortesias. Rumou imediatamente para o centro de exposições, até mesmo porque ele ficava um tanto quanto afastado das demais instalações do campus. E lá chegando viu seu professor sentado em um banco de metal que ficava situado no jardim próximo da entrada.

Encontraram-se e Muriarte disse a ela que eles não podiam perder tempo. Segundo as informações que ele conseguira o sinal da sonda enviada por Penélope foi refletido na terra em um certo lugar na América do Sul, mais especificamente no Brasil. O local era uma pequena cidade do interior do centro-oeste e ainda segundo aqueles dados a fonte de energia era muito densa, mas também encontrava-se protegida por um campo de força eletromagnético que impedia que outros tipos de sinais (via micro-ondas, alta frequência ou de satélite por fibra óptica) fossem detectados.

O sinal enviado por Penélope apenas logrou êxito porque sua frequência era diferenciada e como repetia-se em uma oscilação de menor intensidade, não foi percebido pelo campo. Muriarte disse ainda que o governo norte-americano também já sabia disso, mas que por enquanto nada fizera no sentido de agir em face do evento. Ele conjecturou que aquilo poderia fazer parte de um plano maior – uma estratégia da inteligência – relacionada com o projeto “Andrômeda”.

Ao final demonstrou sua preocupação, já que bem conhecia o coronel Augustus Cesar e sabia muito bem do que ele era capaz para proteger os interesses nacionais. Achou que Penélope deveria permanecer em silêncio sobre o assunto e não comentar sobre seu experimento. Ela, por sua vez, que até agora ouvira atentamente as palavras de seu professor e amigo, não conseguia consolar-se com o pedido dele. Como ela poderia ficar quieta tendo uma informação cientifica dessa magnitude? A revolta enchia seu peito de uma incontrolável vontade de gritar! Revoltar-se contra tudo e contra todos.

Muriarte abraçou a menina e consolou-a dizendo que ele também já sentira o mesmo e descobrira a duras penas que, as vezes, o silêncio é uma boa estratégia. Olhou bem para ela, no fundo de seus olhos e assegurou que nada iria prejudicar seus planos acadêmicos. O que eles precisavam era de um bom plano para seguir para o Brasil e localizar o local para onde a energia das estrelas estava sendo canalizada. E deveriam fazer isso sem despertar qualquer suspeita.

Penélope ficou ainda mais desesperada. Como conseguiriam? Como ir para o Brasil se o ano letivo estava em curso? E do dinheiro? Eram milhares de perguntas sem resposta. Ela não sentia que aquilo fosse dar certo. Articulou, inclusive a ideia de abandonar o projeto e cuidar de sua vida, mas o professor ficou tenso e foi taxativo: não se dá as costas para um sonho quando surge o primeiro obstáculo. Eles apenas precisavam de um plano, e ele iria pensar em um. Pediu para que ela ficasse calma e esperasse alguns dias até que ele conseguisse resolver alguns problemas mais imediatos.

Penélope pensou um pouco, hesitou, mas por fim concordou. Rendeu-se ao conselho do amigo e decidiu que o melhor era esperar pelo plano. Sorriu para o professor e disse que a única coisa que ela precisava fazer era contar tudo para o seu melhor amigo, o Ulysses; afinal ele sempre estivera do lado dela e sempre apoiou as suas ideias insanas. Nada mais justo que ele compartilhasse do que eles haviam conseguido.

Muriarte hesitou em um primeiro momento, pois embora conhecesse o jovem e soubesse de sua correção moral, tinha receio que ele pudesse dar com a língua nos dentes, o que seria, no mínimo, uma catástrofe sem proporções. Mas depois de meditar sobre o assunto acabou por concordar, exigindo apenas que Penélope lhe mantivesse informado de tudo e que Ulysses se comprometesse a guardar o maior sigilo possível.

Penélope sorriu tranquilizada pela atitude do seu amigo e disse-lhe que procuraria o momento mais adequado para contar tudo para Ulysses e exigir dele o maior cuidado com as informações. Ambos decidiram que era melhor irem para seus respectivos alojamentos para descansarem, pois fora um dia muito agitado e a loucura estava apenas começando.

Os dias praticamente se arrastaram desde aquela noite em que Penélope e Muriarte decidiram que o melhor a fazer era ir para o Brasil. Pouco conversaram nesse período e sempre que o faziam era de modo bastante discreto. Penélope contou tudo para seu amigo Ulysses que também ficou surpreso com o que ouvira e se comprometera a manter silêncio absoluto sobre o tema, frisando apenas que queria ajudar e, se possível, também gostaria de ir com eles.

Penélope comentou com o professor que, como sempre, hesitou, mas acabou por concordar, pois pensou que uma ajuda sempre seria bem vinda. E em se tratando de Ulysses, Muriarte achou que ele demonstrava ser uma pessoa confiável. Penélope ficou muito feliz porque precisava daqueles dois homens para ajudá-la na sua busca por respostas.

Certo dia, ao término do ciclo de aulas daquele dias, Penélope foi convocada ao prédio da administração a fim de atender a uma solicitação da secretaria do campus. Ela foi até o edifício, e chegando à Secretaria Geral perguntou para uma das atendentes a quem deveria se dirigir para atender ao chamado. A mulher de meia-idade sem sequer olhar em seus olhos apontou para uma porta no fim do corredor à sua direita e nem mesmo esperou qualquer outra indagação, dando-lhe as costas logo em seguida.

Penélope caminhou pelo corredor até chegar em frente à porta e nela bateu suavemente, ouvindo uma autorização para que entrasse. Dentro da sala estava a Secretaria Geral do Campus, Dona Giselle, loira alta de origem franco-canadense que jamais sorria (em público, pelo menos) e que era conhecida pelo seu ar de distanciamento dos alunos. Para ela todos eram iguais e todos vinham e iam o tempo todo.

Dona Giselle olhou para Penélope e sinalizou para que ela sentasse na cadeira a sua frente. Assim que o fez, ouviu da secretaria um discurso breve e conciso: ela havia recebido a solicitação de intercâmbio acadêmico com a universidade do centro-oeste do Brasil que convidava Penélope para uma ação de estudos integrados que supriria algumas matérias da grade curricular e que ela não via nenhum impedimento, já que o pedido partira da universidade.

Disse-lhe então, que a tal universidade havia enviado um cheque de reembolso antecipado de despesas e uma passagem marcada para o dia seguinte, razão pela qual já havia sido determinado o afastamento temporário da aluna para participar do intercâmbio. Entregou-lhe um envelope que continha um cheque e as passagens de ida e volta. Seu voo sairia no dia seguinte logo pela manhã.

Penélope ficou em estado de choque total! Não sabia o que fazer nem o que dizer. Que intercâmbio era esse e quem fora que articulara essa empreitada toda? E enquanto fazia suposições mentais nem percebeu que Dona Giselle havia se levantado e caminhado em direção da porta abrindo-a para que a jovem cuidasse de seus afazeres. E ante a demora da moça, pigarreou algumas vezes como quem indica que a conversa havia se encerrado.

Penélope saiu de lá pisando em ovos, sem saber o que fazer ou o que pensar. E foi nesse instante que seu celular vibrou anunciando uma mensagem de texto: “Te encontro no aeroporto amanhã de manhã.”, dizia a mensagem enviada por Muriarte que assinava com um codinome de Alphonsus.

Ela sorriu e entendeu que aquele, enfim, era o plano engendrado pelo seu professor e amigo. Ficou exultante, mas conteve-se, pois ainda estava no prédio da administração. E ao chegar a porta recebeu outra mensagem. Desta vez era de Ulysses e dizia apenas “te espero no embarque”.

O plano estava armado e agora restava preparar-se para a viagem para o Brasil.

A manhã seguinte encontrou a jovem Penélope de malas prontas entrando no setor de embarque do aeroporto. A ansiedade era enorme! Assim como a preocupação com o que a esperava do outro lado do oceano – em um continente para ela ainda desconhecido – tornavam aquela experiência uma verdadeira aventura sem limites. Seus pensamentos voavam de um lado para outro, enquanto caminhava na direção do balcão de embarque da companhia aérea indicada pelo professor em sua última mensagem de texto.

Aproximou-se do balcão quando sentiu o toque suave de uma mão sobre o seu ombro, e mesmo sem voltar seu rosto sabia que se tratava do amigo Ulysses. Penélope volto-se na direção do amigo e sorriu-lhe um sorriso aberto e acalentador, fazendo com que Ulysses sentisse um certo clima mais próximo que uma simples amizade.

Todavia, aquele idílio momentâneo foi abruptamente quebrado pelo professor Muriarte que chegou esbaforido e apressado, dizendo que todos eles deveriam encaminhar-se para o embarque e partirem o mais depressa possível. E assim dizendo, pegou a mão de Penélope a correu em direção ao balcão de embarque já entregando as passagens e pedindo, tanto para ela como para o jovem Ulysses, que apresentassem seus passaportes.

Penélope ficou um tanto quanto assustada com aquele comportamento incomum do seu professor, mas assim que dirigiram-se para o avião que os levaria para o Brasil, Muriarte confidenciou-lhe que sua preocupação tinha razão de ser; ele desconfiava que o seu antigo conhecido – O Coronel Augustus – já teria sido informado da movimentação do pequeno grupo e não tardaria em sair em seu encalço. A jovem ouviu a tudo com atenção, preocupação e certo temor pelo que poderia acontecer com eles. Mas, Muriarte tranquilizou-a – pelo menos momentaneamente – já que eles estavam se antecipando e mesmo que o Coronel fosse atrás deles, isso ainda demoraria um certo tempo (o tempo necessário para que eles obtivessem as informações que tanto desejavam).

Durante o voo, Muriarte comentou com seus jovens acompanhantes que obtivera alguns outros dados reveladores sobre o “enigma dos trópicos” - termo que ele mesmo cunhara durante a noite anterior – e que foram extraídos dos computadores do centro de informações da universidade, dando conta que a enorme carga energética libertada pelas “estrelas mortas” estava apenas sendo armazenada e que até o último dado obtido nem uma pequena fração dela havia sido utilizada para qualquer finalidade. Este dado era relevante, pois permitia a ele compreender que quem ou o que estava por trás daquilo não tinha nenhuma intenção bélica ou destrutiva – pelo menos em princípio.

Muriarte disse-lhes ainda que as estrelas que haviam perdido suas respectivas fontes de energia não eram planetas ou mesmo sóis que servissem de fonte de alimentação para qualquer espécie de vida. Eram apenas fontes energéticas que mesmo deixando de existir não causariam grandes danos, exceto,é claro, pelo fato de criarem um desequilíbrio no somatório geral de matéria versus energia no universo e cujas consequências ainda não podiam ser avaliadas por completo.

Penélope imediatamente interviu para lembrar ao professor que aquele distúrbio poderia sim causar um grande estrago; aliás, este era o objeto de sua pesquisa: se aquela fonte responsável pelo processo de captação de energia não tivesse o devido controle quanto ao armazenamento, poderia sofrer um processo de degradação cujas consequências seriam, no mínimo, desastrosas; Muriarte não se conteve ante a análise da jovem estudante e ficou estupefato! Ela tinha razão! Eles precisavam agir rapidamente antes que um mal maior acontecesse.

Não tardou para que o sono, o cansaço e a excitação pusesse aqueles três aventureiros em sono profundo. Ulysses que ouvira tudo atentamente foi o que mais demorou a dormir, porém sua preocupação não era dirigida apenas para o que estava por vir, mas sim com os perigos que os esperavam nessa empreitada.

O desembarque no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro foi rápido e preciso. Muriarte conduzia seus acompanhantes de um modo frenético mas sem excessos, já que ali era apenas um ponto de parada para troca de meio de locomoção. Atravessaram o enorme lobby do aeroporto, dirigindo-se para o setor de embarque de aeronaves particulares e também aquelas pertencentes à empresas de táxi aéreo. Em uma das salas Muriarte sinalizou para a pessoa que estava atrás do balcão de atendimento que lhe correspondeu com um aceno de cabeça.

Novamente estavam na área das pistas de voo, onde dirigiram-se até onde estava estacionada uma pequena aeronave que não ostentava qualquer logotipo relacionado com fretamento aéreo. À sua porta um jovem trajando roupas de piloto os aguardava com certa ansiedade. Assim que Muriarte o cumprimentou, todos embarcaram e não tardou para que o pequeno avião levantasse voo. Seu destino era bem conhecido: a região do centro-oeste do Brasil.

Era uma viagem relativamente rápida, o que não oportunizou qualquer espécie de diálogo mais aprofundado entre os três passageiros. Apenas conversa esparsas e sem significado circularam entre eles. Apenas Penélope encontrava-se ansiosa e preocupada ao mesmo tempo sobre o que os aguardava em seu destino final.

A aterrissagem foi rápida e tranquila, e os três aventureiros não tardaram em sair do aeroporto dirigindo-se, então, para o estacionamento onde um homem negro alto e bem vestido os aguardava ao lado de uma perua do tipo SUV com alguns logotipos em suas laterais. Ao aproximar-se do homem Muriarte ficou esfuziante e abraçou-o de forma fraterna e honrosa. O homem retribui o abraço e com um tom de voz grossa e profunda disse o quanto sentia saudades do velho amigo. Muriarte pediu para que seus acompanhantes se aproximassem e apresentou-os ao seu anfitrião e velho amigo.

Tratava-se de Evandro, cientista, pesquisador e aventureiro que durante muito tempo na vida ombreou pesquisas e algumas aventuras com seu amigo e confidente o professor Muriarte. Evandro era sem dúvida um sujeito especial: seu porte atlético e o sorriso sempre estampado no rosto não sinalizavam a figura de um especialista em astrobiologia e física quântica, com doutorado pelo M.I.T. Ele lembrava mais um aventureiro ou mesmo atleta cujos atributos físicos deixavam claro sua paixão pelo esporte e pela aventura como dotes que não deixavam transparecer a imagem do sisudo pesquisador que já fora professor assistente em alguns dos maiores centros de pesquisa científica do mundo.

Após todos embarcarem no veículo de Evandro que imediatamente partiu para um rumo que apenas ele e Muriarte sabiam qual era, Penélope estava muito pensativa: como seu professor tivera tempo para preparar tudo, desde a convocação da universidade brasileira até a recepção de Evandro no aeroporto? E porque Evandro integrava essa pequena aventura? Que peça ele representava naquele imenso jogo de xadrez em que a menina havia se envolvido? Apenas perguntas, muitas perguntas e nenhuma resposta! Aquilo era quase enlouquecedor.

Durante o trajeto de carro Penélope foi retirada de seus devaneios pela voz marcante de Evandro que narrava alguns fatos relevantes para o seu colega recém-chegado de fora. Disse-lhe que encontrara a pequena cidade que fora indicada pelo sistema de busca da Universidade; tratava-se de um vilarejo simples e cuja economia orbitava em torno da agricultura de pequeno porte e da pescaria esportiva. Situava-se próximo à região do pantanal e sua diminuta população não tinha grandes expectativas de vida ou acesso a qualquer meio sofisticado de conhecimento cientifico.

Segundo o amigo do professor não havia qualquer razão para aquele lugar representar um centro onde alienígenas pudessem represar tal volume de energia sem que isso denunciasse não apenas o vilarejo como também seus habitantes simples e incultos. Nessa altura Muriarte retrucou que tudo era possível, tudo que a mente humana supõe como impossível hoje, certamente o será amanhá, ou em algumas horas.

Era quase noite quando o pequeno grupo de exploradores chegou ao pequeno vilarejo cravado no meio do cerrado brasileiro. Uma pequena instalação mais assemelhada a um sobrado de grandes janelas de madeira de lei era a única que já tinha suas luzes acesas, servindo como uma indicação para Evandro que aquela seria a base de operações durante a aventura naquele mundo perdido do mundo.

E eles não queriam perder nem mais um minuto. Instalaram-se sem delongas e partiram na direção, que segundo Evandro, seria o local mais provável onde aquela enorme massa de energia estava sendo armazenada. Não era muito longe dali, mas exigia uma caminhada de certo tempo. Penélope argumentou se seria prudente que eles realizassem aquela empreitada durante a noite que caía pesada e muito escura. Evandro, mesmo levando em conta o que a jovem cogitara, ponderou que a urgência do fato justificava o esforço.

Penélope percebera um tom de preocupação na voz de Evandro, algo que não estava nas palavras ou na entonação, apenas na forma como ele articulara aquele pensamento sobre a urgência – parecia mais que ele sabia algo urgente quanto ao que estava para acontecer.

E assim caminharam mata adentro enquanto a noite avançava de forma resoluta. A medida que caminhavam percebiam que a mata tornava-se mais fechada e o caminho mais difícil. Mesmo assim, Evandro prosseguia com uma determinação que mesmo seu antigo amigo e companheiro – o Professor Muriarte – jamais havia visto.

Repentinamente, Ulysses notou um enorme clarão a poucos quilômetros de distância e avisou a todos de sua descoberta. Evandro fixou o olhar na direção do facho de luz que parecia incandescer e pulsar ao mesmo tempo e disse a todos que deveriam “apertar o passo” se quisessem chegar antes que algo maior acontecesse. Penélope não compreendeu bem o que significava “algo maior”, porém mesmo sendo recente seu contato com Evandro percebera de imediato que ele era um homem de poucas palavras. O melhor a fazer era seguir na direção apontada por Ulysses.

A algumas centenas de metros de distância do alvo perseguido pelo grupo, Muriarte sentiu que estava sendo observado, e antes mesmo que pudesse esboçar uma reação de alerta foi surpreendido pelo aparecimento de uma enorme onça pintada que tinha ares de quem estava ali como guardiã do local protegendo-o de invasores indesejáveis. O animal, bem maior do que o comum e com uma musculatura tão delineada, postara-se de um único salto à frente do grupo sinalizando que eles não podiam continuar com a empreitada sem antes enfrentá-la.

Todos ficaram petrificados com aquele animal; exceto, é claro, Evandro, que além estar acostumado a lidar com tal fera, também percebera que não se tratava de apenas um animal selvagem. Olhou para Muriarte e comentou em tom controlado de voz que ninguém deveria esboçar gestos bruscos ou movimentos inesperados, ao mesmo tempo que sussurrou que percebera tratar-se de um animal incomum. Seus olhos eram de um tom esverdeado brilhante e que pulsava como um diodo de luz eletrônica, enquanto que a musculatura delineada parecia ter sido revestida pela pele do animal.

Lentamente, Evandro buscou o coldre de sua arma, mas antes que pudesse sacá-la, foi admoestado por uma voz fina e suave que dizia que não deveriam fazer mal ao animal. E neste momento, todos olharam na direção de onde vinha a tal voz e depararam-se com a figura diminuta de uma menina que surgira ao lado do felino do cerrado. Era uma figura típica: pequena criança de pele morena, cabelos longos, lisos e pesados, olhos amendoados e estrutura corporal indígena. Ela olhava para todos com um olhar analítico, buscando interpretá-los, compreender o que eles estava fazendo naquele lugar e naquela hora, como também demonstrava estar ali não para protegê-los da onça, mas para evitar que avançassem em sua caminhada na direção do clarão avistado por Ulysses.

Evandro quis reagir como sempre costumava fazer – da forma mais rápida e agressiva possível – mas Muriarte sinalizou que aquela não seria a melhor solução para o momento, e, avançando de modo ponderado em direção da pequena criança disse-lhe que eles haviam vindo em paz, apenas queriam saber a origem daquele clarão de luz que pulsava em meio à mata virgem.

“Vocês precisam ir embora daqui, não é seguro para ninguém ficar aqui!” - a voz da menina soou segura de si, e suas palavras ecoaram dentro das mentes dos presentes que não sabiam mais o que pensar. O que significava tudo aquilo? Este era o pensamento recorrente de Penélope que não conseguia entender muito bem como seu experimento acadêmico proporcionara a situação em que ela se encontrava naquele exato momento. Momento esse em que ouviu-se o som mecânico de algo que voava da direção deles. Evandro olhou para cima e apontou avisando que eram helicópteros já que o barulho era por demais conhecido dele.

“Augustus!”, pensou Muriarte quase que imediatamente; ele sabia que seu velho conhecido não tardaria em chegar para defender seus ideais muitas vezes insanos e incontroláveis. Gritou algo para Evandro que parecia não estar ouvindo mais nada; seus olhar estava concentrado nos helicópteros que se aproximavam, e ele demonstrava que a reação seria rápida e impiedosa. E Muriarte quase teve um colapso quando viu seu amigo, em um piscar de olhos, transformar-se em uma espécie de guerreiro medieval com o dorso pintado com tintas estranhas, seminu e portando uma enorme espada de lâmina longa que brilhava como tendo luz própria. Evandro estava transmutado, e Muriarte, que o conhecia havia muitos anos não era capaz de compreender quem era aquela pessoa que estava ali, fazendo movimentos precisos com uma arma medieval e dizendo coisas em uma língua totalmente desconhecida.

Novamente, a surpresa atingiu a todos quando o jovem Ulysses surgiu ao lado de Evandro. Ninguém era capaz de reconhecer o jovem que também havia se transmudado: trajava uma roupa de couro muito parecida com algumas figuras celtas que Penélope havia visto certa vez em alguns livros que haviam na casa de seus pais (seu pai foi um proeminente professor universitário de história antiga), portava um arco cuja setas pareciam brilhar como possuindo lux própria e seu olhar e rosto pareciam com a figura de um Elfo que ela também vira em livros. Juntos, Evandro e Ulysses estavam preparados para o combate com o Coronel Augustus. Eles pareciam defender aquele local e a possibilidade de que pudesse ser maculado pela presença militar.

Penélope correu na direção deles, mas a voz de Ulysses soou em sua mente alertando-a do que estava por vir e da necessidade de que ela protegesse a pequena menina de um eventual ataque dos militares. Ela não entendeu como o rapaz comunicava-se com ela daquela forma bizarra, mas compreendeu a urgência da situação. Correu então na direção da menina que lhe disse que precisavam ir até a luz para também protegê-la. E foi o que fizeram, sem olhar para trás, já que naquele exato momento, Evandro emitiu um facho de energia pura de sua espada que atingiu o primeiro helicóptero pondo-o abaixo, mas sem ferir seus ocupantes.

Enquanto ele e seu companheiro Ulysses se preparavam para o pior, uma outra aeronave pousou e dela pulou uma figura enorme, mais parecendo uma máquina, que com passos pesados e longos caminhou na direção de Ulysses e Evandro, dando sinais evidentes de que iria atacá-los sem piedade. E assim que deles aproximou-se desferiu uma descarga energética que atingiu-os diretamente, deitando por terra seus corpos feridos e praticamente incapazes de qualquer reação.

“Coronel Augustus!”, a voz de Muriarte soou alto ao perceber que dentro daquele exo-esqueleto mecânico estava seu antigo conhecido que, iluminando o capacete antes translúcido, deixou mostrar as feições que estavam ornadas por um sorriso irônico e – ao mesmo tempo – vingativo; ele estava ali para fazer o que fora treinado para fazer: proteger seu país da “ameaça alienígena”, não medindo esforços ou medidas para que a meta fosse atingida (mesmo que isso significasse a morte de algumas pessoas).

Todavia, o sorriso imediatamente foi substituído por um grito de guerra selvagem, voltando seu olhar quase metálico e insensível na direção de Penélope e da pequena criança ao seu lado, demonstrando que elas eram o seu alvo final. Iniciou uma rápida caminhada na direção delas esquecendo-se de Muriarte, já que para o guerreiro vingador, aquele homem não significava uma ameaça efetiva.

Penélope agachou-se frente à menina e perguntou o que deveriam fazer. “Meu nome é Mafalda” - disse a pequena com voz firme e destemida - “Venha comigo, ele não pode ferir meus amigos que estão no berço de luz, … vamos, rápido!” - imediatamente a pequena Mafalda pegou Penélope por uma das mãos e pôs e correr na direção do local onde a luz pulsante nascia e resplandecia para todas as direções.

Correram feito loucas, sem olhar para trás e Penélope não conseguia entender como um criança tão pequena era capaz de correr com tanta velocidade! Mais surpresa ficou ainda quando, repentinamente, a pequena lançou-se no ar e começou a voar levando-a consigo. Penélope não conseguia crer no que estava acontecendo, principalmente quando viu que ao seu lado estavam Ulysses e Evandro que também voavam na mesma direção.

A jovem cientista podia ouvir ecoar em sua mente os diálogos que eram travados entre Mafalda e os seus defensores alados, mas tudo que era dito estava confuso demais – parecia que estavam arquitetando um plano para livrar-se de Augustus – e a rapidez com que trocavam informações era algo que Penélope jamais havia visto.

Estavam então muito próximo da clareira de luz e energia quando os rapazes dispersaram-se em direções opostas, posicionando-se para um ataque mais eficiente. O Coronel Augustus, por suas vez, continuava caminhando em terra a uma velocidade impressionante e ameaçadora. Tinha a ambas em sua alça de mira eletrônica e sabia que no momento certo poderia abatê-las sem qualquer piedade. Afinal, elas não representavam uma ameaça, apenas pequeno empecilhos a serem removidos – pensou ele, enquanto aproximava-se cada vez mais de seu objetivo.

Ao sobrevoarem a clareira, Penélope quase teve uma vertigem; o que ela estava vendo era algo simplesmente insólito: no centro da clareira havia uma espécie de lago de luz e energia onde pequena criaturas com forma humana – delineadas apenas pelo leve sombreamento de suas silhuetas – nadavam de modo inocente, demonstrando que estava divertindo-se naquele foco de energia pura que fora roubada das estrelas que a jovem cientista havia estudado e que era a razão pela qual, agora, ela se encontrava naquela situação inesperada e inacreditável!

“São meus amigos, … eu roubei a energia daquelas estrelas sem vida para alimentá-las e protegê-las, elas não podem ser feridas, são criaturas do bem e precisam sobreviver para que a humanidade, no futuro, não venha a perecer” - a voz de Mafalda soou preocupada dentro da mente de Penélope que também ficou atemorizada com aquela situação. Não sabia bem o porquê, mas acreditava no que Mafalda estava lhe confidenciando e sorriu para ela demonstrando que concordava e que queria ajudar.

Desceram de seu voo com a mesma rapidez com que haviam alçado anteriormente e assim que puseram os pés no chão Penélope viu Mafalda transformar-se bem a sua frente: ela continuava uma criança, mas suas vestes e as pequenas asas que saltavam de suas costas davam sinais evidentes que ela mais se assemelhava a uma pequena fada, como aquelas que antes habitavam as estórias que seu pai contava quando queria que a filha fosse dormir. Era mais uma coisa inacreditável, porém Penélope sabia que aquele era o momento apenas para acreditar, pois a urgência dos eventos eram cristalinos no sentido de que alguma coisa precisava ser feita para proteger as criaturas que estava sendo incubadas no lago de luz e energia.

Neste momento foram elas surpreendidas pela presença ameaçadora do Coronel Augustus e seu traje metálico. Penélope virou-se e levantando o olhar fitou o rosto lívido de seu inimigo e pensou consigo mesma o que poderia fazer afinal. Enquanto fitava seu confrontante, Penélope ouviu uma voz em sua mente – era do seu professor – que lhe dizia o que deveria ser feito. Penélope sorriu-lhe inocente, fazendo com que Augustus ficasse alguns instantes sem reação. Momento exato em que Ulysses e Evandro desferiram um ataque único na direção da armadura.

O choque energético foi tão intenso que Penélope foi arremessada a alguns metros de distância chocando-se contra o solo duro e seco e deixando-a estonteada pelo impacto. Quando conseguiu recuperar-se vislumbrou o resultado do ataque: Augustus em sua armadura estava ajoelhado ao solo com um dos braços mecânicos totalmente destruído, enquanto que Ulysses e Evandro haviam pousado protegendo a pequena Mafalda de um eventual contra-ataque do inimigo. Penélope levantou-se e com certa dificuldade caminhou na direção deles, enquanto ouvia os gritos furiosos do militar que tentava por todos os meios recuperar-se o suficiente para engendrar uma nova investida contra seus potenciais inimigos.

E antes mesmo que um dos valentes guerreiros fosse capaz de aplicar nova penalidade ao militar, este valeu-se de uma fonte de energia auxiliar de sua armadura potencializando a emissão de um campo sônico de alta intensidade que mais uma vez arremessou todos para longe dele. Penélope fora a única que não havia sido atingida já que ainda estava a considerável distância do evento. Olhando para os lados notou Evandro prostrado próximo de uma elevação, mais uma vez posto fora de combate e , em outra direção, Ulysses caído sobre seus joelhos sangrando nas costas. Procurou por Mafalda, porém não conseguia saber para onde ela fora arremessada.

Penélope entendeu, então, que a mensagem mental de seu professor era a única saída naquele momento crítico em que o militar – já parcialmente recuperado do ataque que sofrera – havia se levantado e mais uma vez investia na direção do lago onde estava o centro de seu ódio e o objetivo de sua vida! Penélope firmou um pensamento esperando ser ouvida por seus companheiros e arquitetou aquilo que julgava a melhor alternativa para aquele momento crucial.

“Não! Isso é loucura! Não pode ser!” - a voz de Mafalda ecoou desesperadamente no interior da mente da jovem cientista que retrucou afirmando que era a única coisa a ser feita que redundaria em anulação dos ataques do militar já ensandecido pela fúria e cego pela ânsia de dar cabo daquilo que considerava uma ameaça ao bem estar de toda a humanidade.

Os rapazes concordaram que era a única coisa a ser feita – e dos males, sempre o menor, afirmaram – deixando claro que a ação devia ser iniciada. Mesmo sofrendo com o possível resultado, Mafalda compreendeu que não restava outra alternativa a não ser somar forças com os demais para evitar o mal maior.

Imediatamente, todos posicionaram-se na forma como Penélope havia lhes orientado e ela, respirando profundamente, saiu na direção do militar, correndo por fora, com as poucas forças que ainda lhe restavam. Precisava alcançá-lo antes que ele estivesse próximo do lago o suficiente para deflagrar um novo ataque. E quando isso aconteceu, ela fincou pé à frente de seu contendor sem pensar nas consequências.

Augustus podia ter passado sobre ela com o militar triunfante que ignora os inimigos de menor porte. Todavia, imaginando que sua vitória estava muito próxima, estancou sua marcha e ficou frente a frente com aquela menina franzina e sem jeito que mais parecia um espantalho assustado. Vociferou palavras de ódio. Gritou coisas inimagináveis. Afirmou que pretendia fazer o que devia ser feito. Penélope apenas ouviu enquanto orquestrava o ataque com seus companheiros.

Quando finalmente percebeu que tudo estava pronto deu a ordem mental e passou a observar o resultado do plano imaginado pelo seu orientador e amigo Muriarte que a tudo observava de uma posição estratégica. Imediatamente, Ulysses disparou váriass flechas energéticas para o alto, buscando desenhar um arco por sobre o militar. E assim que elas estavam caindo exatamente na posição que ele imaginara, Evandro passou a desferir golpes com a sua espada na direção delas energizando-as de uma forma inimaginável.

Augustus olhou para cima e percebeu o que estava acontecendo. Porém sua mente rígida e treinada para o combate não era capaz de entender o porque daquilo. Nesse momento, Mafalda, que sobrevoava o lago de energia abriu seus pequenos braços sorvendo boa parte da energia ali acumulada, deixando apenas o mínimo necessário para que suas amigas pudessem sobreviver.

Assim que conseguiu reunir uma enorme massa de energia pura, voltou-se para o arco acima do inimigo e arremessou-a como quem tenta fazer uma cesta no basquete.

O resultado foi aquele esperado por todos: assim que a massa de energia iniciou sua queda no meio do arco desenhado pelas flechas e sustentado pelos ataques de Evandro, deu-se início a uma explosão de energia cuja dimensão poderia ser sentida ao longo de todo o cosmos. Um halo de energia mais assemelhado com um vórtice formou-se no centro caudaloso da “arma de ataque” seguido pela modificação da atmosfera local que também energizada serviu de condutor, orientando o fluxo, primeiro em direção ao solo, fincando nele uma enorme base que fez com que se sentisse um tremor de terra suficientemente potente para também ser percebido pelos institutos científicos ao longo do planeta.

Na sequência, o fluxo desencadeou o que parecia uma espécie de “furacão invertido” que começou sua caminhada na direção oposta ao solo seguindo um curso veloz na direção do espaço sideral. E foi nesse momento que Augustus percebeu o que seus inimigos haviam tramado. Ele deu início a uma revidação pensando que quanto mais rápido fosse o seu ataque, mais rápido ele conseguiria vencer e eliminar aquelas “criaturas odiosas”.

Era exatamente o que Penélope esperava: energia dentro do halo invertido do “furacão” simplesmente funcionaria como um repulsor. O disparo resultou no arremessamento de Augustus e sua armadura para dentro do vórtice que continuava seu curso em direção ao espaço. E quando ele foi totalmente envolvido pelo elemento criado, apenas o grito desesperado de alguém que estava sendo literalmente desintegrado dentro daquela enorme massa de energia passando apenas a ser uma memória do que havia sido na existência humana.

Alguns minutos se passaram até que o enorme vórtice encerrasse sua saída do planeta, fazendo com que cessassem todos os efeitos climáticos inesperados, bem como a terra parasse de tremer ante ao abalo que havia sofrido.

Todos imediatamente reuniram-se em torno da pequena Mafalda que ainda usava a pouca energia que restara para conservar suas pequenas crianças. Era fácil perceber o olhar entristecido da menina-fada e também seu desespero pela possibilidade de perder aquelas vidas tão preciosas. Evandro e Ulysses entreolharam-se e sinalizaram que sabiam exatamente o que fazer. Aquele singelo “berçário” precisava ser preservado, ao mesmo tempo que a terra tornara-se o local mais inapropriado para sua manutenção. Eles olharam para Penélope, sorriram, e depois olharam para o Professor Muriarte.

Quando Penélope – sem compreender o que exatamente estava acontecendo – olhou para seu amigo e orientador ficou completamente perplexa. Muriarte – bem a sua frente – transmutara-se em um ser que em nada lembrava uma figura humana. Era um ser extremamente alto de corpo longilíneo, cabeça esguia assemelhada àquelas figuras da cultura maia e inca com profundos olhos de um azul beirando a cor do cobalto. Suas mãos eram terminações com imensos dedos finos e os braços além de longo moviam-se em qualquer direção. Ele parecia flutuar sobre a terra e aproximou-se de Penélope com um ar de despedida.

A missão deles estava cumprida e agora precisavam proteger o berçário levando para longe daquele planeta, pois os acontecimentos daquela noite que já ia sendo vencida pelas primeiras luzes do novo dia, não passariam desapercebidos pelas autoridades que iriam querer explicações detalhadas sobre os eventos ali ocorridos.

Penélope desejou ir com eles, mas Ulysses e Muriarte responderam-lhe mentalmente que isso não seria possível. Ela precisava ficar e tornar-se uma cientista respeitável que em tempos futuros poderia funcionar como elemento de ligação entre as diversas culturas interplanetárias. Ela tornara-se uma peça chave no plano superior do Universo e não podia recusar tal missão que tinha em si uma enorme carga de honrarias.

Despediram-se tristemente, com o silêncio da voz, mas com gritos de dor da alma. Penélope chorou enquanto viu seus novos amigos partirem levando consigo o pequeno “berçário” energético. Ficou ali, parada, fitando o céu estrelado e vendo aquele corpo celeste em movimento desaparecer espaço adentro.

Olhou para o horizonte e viu o sol nascendo, tímido mas resoluto. Imaginou quantos amanheceres ainda estavam por vir até que ela pudesse novamente reencontrar seus amigos daquela noite histórica e inesquecível. Quando a humanidade poderia descobrir que não estava só no Universo e que novos amigos precisam ser conquistados pela compreensão e não dominados pela força e pelo medo do desconhecido. Pensou que talvez fosse melhor que isso jamais viesse a acontecer, posto que a experiência com o Coronel Augustus comprovara a sua tese.

Enfim, pensou que era melhor não pensar em nada, apenas em uma forma de ir embora dali e retornar aos seus estudos, esperando que o futuro fosse, pelo menos, um pouco mais iluminado e promissor que o presente. Sorriu, enquanto caminhava na direção do sol.

APÊNDICE.

PENÉLOPE – uma universitária do meio-oeste americano que estuda astronomia em um renomado centro de pesquisas. Mora sozinha em um apartamento dentro do complexo educacional e seu único amigo é um colega de universidade de nome Ulysses.

Trovão
Enviado por Trovão em 05/08/2012
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