Fruto do Veneno

“A luz está acesa e não apagarei, pois estou débil e porque tudo um dia se apaga, até as estrelas no breu do céu. Tudo um dia se consome como meu outrora corpo jovem. Agora me deixe morrer em paz. Você quer ficar? Nunca viu um ultimo suspiro de alguém? Entendo. Conte-me uma estória por enquanto. Prefiro um conto infantil. Não esse. Esqueça, só sente aí e me deixe morrer. Quero um copo d’água. Como por quê? Porque tenho sede. Não mereço? Agora eu que lhe pergunto o porquê. Entendi e o compreendo, mas saiba que eu não o deixaria com o rabo entre as pernas. Você ficara com este sitio e minha casa em João Pessoa, onde dormimos com o quebrar das ondas. Ficara também com todo o meu dinheiro e bens, só não lhe prometo o Supermercado, pois minha ex-mulher já está de olho. Porque choras? Eu sei que foi você que colocou o veneno em meu vinho, sei também que este dia chegaria, meu garoto, ou acha que eu pensava que viveríamos felizes para sempre? O sempre nunca foi eterno, nem o “felizes”. Em plenos 57 anos muito bem vividos, nunca teria a ousadia de pensar que viveria muito com um garoto de 16. Era isso ou cadeia. Acho que prefiro isso. A agonia já está me matando, meu garoto. Você vai me enterrar no quintal, não é? Melhor assim. Não deixe muito volume em meu sepulcro, pois a policia pode desconfiar. Sim, eu sei que você é esperto. A bíblia diz que “Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele”, Provérbios 22:6. Plantei uma naftalina no meu peito e a semente germinou veneno, meu jeito rato de ser não resistiu e acabei perecendo. O fim explica os meios. Sim, também sei que você é ateu, mas quando meu brilho se apagar quero que reze um pai nosso por mim. Não espero ir pro paraíso, porém temo o inferno. O purgatório seria um lugar interessante para mim. Mereço ir pro inferno pelas coisas que lhe fiz? Mas lhe dei só amor... quê? Bom, nossa relação sexual fazia parte do meu amor por você. Não me venha agora com “Mas você é meu pai!”porque o que sua mãe fez foi pior. Não preciso nem lembrar que ela abandonou você pela sua Síndrome de Down, e que desde então eu lhe venho oferecendo um amor incondicional... ó meu filho, meu garoto, minha vista está escurecendo, já vou parti, venha cá me dá um último beijo... assim... isso, meu pequeno Judas, fique com Deus e não se esqueça de rezar por mim. Deixe a luz acesa, quero que a maçã de sua face banhada em lagrimas seja o último fio de lembrança da minha vida.”