Náusea

Sentiu como se fosse um enjôo qualquer, uma náusea proveniente de algum alimento mal digerido. Mas o que havia dentro daquele homem era o que há de mais repugnante em todo o ser humano, de nossa própria natureza. O nojo, a ânsia extrema... Ele não podia evitar. Precisava daquilo fora de seu corpo, o mais rápido possível. Sentiu como se um pequeno fio estivesse preso entre seus dentes, e tentou-o puxar. Mas aquilo não era um simples fio. Era toda a pobreza humana, e ela parecia não ter fim. Quanto mais puxava aquele fio, mais ele crescia e se embolava, pior era o seu sofrimento. As lágrimas amargas corriam pela sua face, desesperadoras. Aquele comprido fio descia pelo seu esôfago, fazia voltas em seu estômago e se enrolava no final do intestino delgado. Agora ele conseguia sentir gosto de sangue, e era ferroso. Aquela pobreza, aquela humilhação, aquele sofrimento — tinha um propósito. Expurgar os humanos, redimindo-os de um pecado só seu. Mas quanta dor, quanta dor! Ele imaginava quanto tempo mais teria que suportar aquela linha asquerosa corrompendo sua garganta. Começou a puxar mais rápido, e sentiu alívio quando percebeu que estava no estômago, mas a dor tornava-se mais e mais insuportável! Era como se a linha, lisa e congruente, estivesse se transformando em um arame, que preso dele estavam suas próprias vísceras! Era tarde demais para desistir, ele precisava ir até o final — e como precisava! Agora o fio que era arame farpado ele trouxe até à boca, sentindo o gosto do sangue, mas sobretudo, da vitória. Ele conseguira. Vencera. Olhou para o extenso fio que jazia no chão, aos seus pés, como uma cobra morta, extremamente fina. Mas era mais do que um troféu. Era o seu limite, a sua repugnância, que deixava de existir! Exultava-se como um herói, com razão. Mas há um preço. Sentiu suas vísceras repuxarem ao mesmo tempo em que saíram pela sua garganta e debulhavam-se sobre o fio. Ele, morto, caiu ao chão. Com um sorriso impagável no rosto, entregou sua vida suavemente. A batalha contra ele mesmo, ele vencera. Vencera, e nada poderia mudar aquilo, nem mesmo a morte. Tudo estava bem.

Lucas Leonel
Enviado por Lucas Leonel em 10/07/2012
Código do texto: T3770441
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.