Eu e a Morte - Dois românticos sem vida.
Abro os olhos... Uma lágrima, morna e nua, desce a escorregar vagarosamente pelo meu rosto inchado. Olho para a janela ainda aberta, que indiscreta, deixa entrar a brisa leve e fria do entardecer. O quarto ainda com cheiro de mofo, guarda a certeza de estar desarrumado a “séculos”. Roupas e coisas amontoadas pelos cantos me trazem a nostalgia do silencioso pôr do sol.
Sinto meu corpo dolorido, talvez por ter dormido em má postura. Olho, de soslaio para o espelho retangular, dependurado na parede à minha frente. Levanto um pouco a cabeça. As olheiras profundas evidenciam meu olhar opaco e meu semblante triste. Me movimento, em pequenos gestos, cansado e dolorido da noite mal dormida, praticamente em claro, moldada apenas à pequenas pinceladas de sonos, em sonhos confusos e angustiantes.
O "negro" dia de sol, levou uma eternidade para passar. Tento levantar-me, mas me vem um soluço me apertando a garganta... e outro... e outro. O pranto enche meu peito de tristeza e dor. Revolvo-me novamente de um lado para o outro procurando alento em algum lugar entre o travesseiro e meus pensamentos, mas só encontro espaços vazios e sentimentos perdidos.
Meu peito se enche novamente de angústia e desespero e a solidão que ,outrora, assistia minhas desilusões "assentada em cadeira de vime", me acolhe rapidamente em revoada, preenchendo aqueles espaços vazios que ainda permaneciam neutros, sem tristeza nem fantasia.
Levanto-me com dificuldade e com as pernas ainda bambas e indecisas caminho até o banheiro. Lavo meu rosto pálido e meus olhos vermelhos. Olho novamente no espelho tentando achar algo em mim, mas não encontro nada. Um imenso abismo se estende através da minha imagem. Caminho de volta ao quarto, olho tudo novamente ao redor e saio em passos pesados em direção à varanda. Ao passar pela sala, a garrafa de wiskie me chama para uma refrescante dose.
Sento-me na fria cadeira de ferro da varanda e entre um gole e outro passo levemente os olhos em revista às pessoas que transitam na rua logo abaixo. È verão e o céu está límpido. O clima não está sufocante, um vento fresco e suave acaricia meu rosto.
Meus pensamentos me chamam para o passado e me vejo em uma profunda ilusão novamente. Encho outra vez meu copo e olho para a lua nova que desponta no alto da serra. Sinto uma sensação de vazio e solidão que devorava meu peito e mente.
Uma pequena faca de cozinha parece descansar sobre a pia. Não sei explicar porque, mas ela me atrai como uma sedutora mulher em meus tempos de adolescente. Sem perceber minha mão direita a recolhe e a deposita ao lado do copo de bebida.
Tomo outro gole e a olho com os olhos apaixonados, em seguida fito o horizonte distante. Uma pequena lágrima salta de meus olhos sobre a mesa.
Com a ponta dos dedos da mão esquerda eu a toco e a provo entre os meus lábios. Está morna e salgada como as águas do mar. Outra, então, pula em seguida e logo após... mais outra. Minha mão direita instintivamente se apodera daquela pequena faca e num piscar de olhos conduz sua lâmina por sobre o pulso pulsante, fazendo jorrar o sangue vermelho, quente e “fresco” da vida dormente e “morta”.