Mas É. Mas Foi.
O nome disso é borboletar: você senta no chão, une as solas dos pés - o calcanhar rente às bolas - e sobe e desce o joelho. É um bom alongamento quando se quer chutar a cabeça de alguém. Não estou exatamente borboletando, apesar da posição que me encontro. Estou com o cano de uma arma na minha boca, sentado no pé da cama de minha mãe. Ela está dormindo, mas é questão de minutos até que ela acorde. Acendi a luz do quarto e estou fazendo um barulho considerável, chorando com esse negócio na boca. Assim que ela acordar, pronta pra reclamar da claridade e do barulho, e me ver nessa situação, e seus olhos ganharem um brilho de desespero, é que puxarei o gatilho. Será bem rápido. Mas enquanto ela não acorda, miríades de pensamentos fazem com que eu me sinta mal e em dúvida sobre o que estou fazendo com a minha vida e com a vida dela. Há uma bala só no tambor. Não quero que ela entre em desespero e num impulso acabe fazendo o mesmo que eu. Quero que ela sofra, em vida, por tudo aquilo que não fez e que me fez chegar nesse ponto. Nessa definitiva decadência.
A respiração dela se altera.
Ela vai acordar.
Ela estica as pernas.
Ela vai acordar.
Ela abre os olhos.
Me vê.
Ergue o corpo.
Me olha.
Em seus olhos perpassa um brilho de súplica.
Um brilho que conheço bem.
Um brilho irmão.
Meus olhos reconheceram o brilho como um brilho irmão.
Porque por inúmeras vezes eu expus minhas angústias, e em todas as vezes elas foram diminuídas. Negligenciadas. Quando eu já não tinha mais o que falar, meus olhos brilhavam em súplicas. E eu me resignava a em silêncio me remoer.
É estranho saber que em questão de segundos eu não vou mais sentir dor, fome, sede. Estranho saber que deixarei de existir daqui a pouquinho.
É estranho saber que a última coisa que eu sentirei é meu polegar forçando o gatilho.
Porque já faz um tempo que eu não me apercebo de que sinto as coisas.
Não queria que essa fosse a minha última sensação em vida.
Mas é.
Mas foi.
Adeus, mãe.
19/06/2012 - 17h40m
Joy Division - Transmission