Último dos Prazeres
Tia Dica, nos seus setenta e poucos anos ou mais precisa-
mente setenta e três, cismou que Ti'Dorico, não tendo mais o que
fazer, deixou-lhe grávida. E afirmando e confirmando com detalhes
e gestos minuciou a boa nova que para nós sobrinhos, filhos, netos
e bisnetos era motivo de chacota, mas para Ti'Dorico era de orgu-
lho. Assim sendo, Tia Dica manifestava, ao correr do tempo, as mais
estranhas vontades, os mais esquisitos desejos, chegando mesmo a
sentir enjoo e todas as complicações de uma jovem nos seus primei-
ros meses de gravidez.
A notícia se espalhou como o vento, trazendo à nossa antes
pacata e rotineira residência, um amontoado de curiosos, um sem fim
de perguntas e até mesmo um repórter do Arauto, folha quinzenal,
jornaleco muito do mixuruco, que as custas do já chamado fenômeno
começava a circular duas vezes por semana. E no asilo, apelidado
por nós bisnetos, netos, filhos e sobrinhos, tal era a gama de velhi-
nhos ansiosos pelos conselhos do Ti'Dorico e Tia Dica, via-se de
canto a canto, senhoras idades tricoteando sapatinhos e toucas
variadas do azul ao rosa, cores predominantes nessas ocasiões.
E corria o tempo e a vida. Ti'Dorico não se conhecia. Ra-
ras vezes o encontrávamos longe do espelho, brilhantina, tingiu o
cabelo, e se assanhava pras mocinhas do bairro. Passou a frequen-
tar inferninhos, chegava altas madrugadas, largou a mania de doen-
ça, vivia malhando. Do seu vocabulário tão Aureliano não se lembra-
va mais. Agora era bicho pra lá, bicho pra cá, véio, formô, e por aí
afora.
Tia Dica, o centro da atenção. Antes ríamos da sua caduqui-
ce, mas agora tínhamos por ela todo o obséquio, todo o favor, toda
atenção e admiração por aquele ser, que sem explicação plausível,
se alojara em seu ventre. Não que fôssemos vira-casaca. Não. É
que o Dr. Pereira, médico da família há longas gerações, diagnosti-
cou firme e categoricamente a vinda da cegonha, guardando os ins-
trumentos numa maleta preta e anunciando a sua aposentadoria.
E no dia trinta e um de dezembro, quase à meia-noite, veio
ao mundo o Doriquinho Último dos Prazeres da Silva, o mais polêmi-
co, o mais discutido, o causador de toda a revolução nos anais da
ciência convencional.
Observação: Do livro O Doido e Outras Maluquices- Robergom
Edição: 1967