O SUJEITO QUE TOCOU PUNHETA NUM VIADO

Raimundo da Baiana. Assim era conhecido no bairro onde morava, Raimundo José da Silva Penteado. Da Baiana, era por conta da zona que freguentava. Um baixo meretrício em Fortaleza ali para o lado do Bairro Alto da Balança, quase em frente a onde hoje está situado o Makro atacadista.

Até meados da década de 70, em Fortaleza havia várias zonas. Bairros inteiros destinados exclusivamente à prostituição. As principais zonas eram o Farol do Mucuripe, o Curral, a Baiana e o Centro da cidade, onde havia várias boates. As boates, pelo menos aqui no Ceará, eram prostíbulos, sendo que mais requintados que as zonas, considerado como baixo meretrício. Algumas boates, entretanto, abrigavam mulheres totalmente decadentes, como o caso da Boate Glória, que ficava na Rua Conde D’Eu. A Oitenta e a Leila eram as mais grã-finas; uma ficava no Centro e a outro num bairro afastado, na Maraponga.

As boates geralmente eram comandadas por uma madame, ou por uma bicha, termo da moda. Hoje, temos uma variedade grande para distinguir os homossexuais, dependendo da classe: travesti, gay, transexual, bissexual, transformista e outros mais. As boates eram freqüentadas por pessoas de mais posse, gente da alta sociedade, os grã-finos de então. Já os freqüentadores das zonas eram vagabundos: rufião, cafetão, larápios – na verdade larápio eram os gatunos, ladrões que furtavam sem violência -; batedores de carteira, traficantes, golpistas de toda espécie que se aproveitavam de trabalhadores inexperientes que buscavam uma diversão com as mulheres do local, viciados em drogas, os conhecidos maconheiros. Droga mais pesada ainda não existia por aqui. O máximo eram os entorpecentes, principalmente LSD.

Os termos bicha, viado, pederasta hoje são considerados discriminatórios, podendo até dar processo, dependendo do caso. Naquele tempo não.

Raimundo da Baiana era um rufião, descuidista, que na vida nunca dera um prego numa barra de sabão. Vivia de pequenos trambiques e sempre arranjando encrencas.

Com o progresso da cidade, Fortaleza foi crescendo e no local do antigo Curral, o termo maiúsculo é em função de ali ser um bairro, e não pelo modismo atual de tudo ser escrito com inicial maiúscula, esquecendo-se totalmente às regras gramaticais, e sua importância, foi construída uma avenida e todos os moradores da região foram transferidos para outras paragens.

A maioria das putas foi para o Alto do Bode, outras ficaram vagando pelo Centro da cidade hospedadas em um ou outro bordel remanescente.

Com isso, os malandros se afastaram e buscaram outros ares, bairros residenciais. E quem não era bandido da pesada, apenas descuidistas e trambiqueiros, mudou de vida. Não havia mais ambiente para aquele tipo de vida na cidade. Isso aconteceu em várias outras zonas da capital. A Baiana foi uma delas. Não que prostituição tenha acabado, pelo contrário, apenas mudou o modo de operar.

Do Centro da cidade foram retiradas todas as boates. As raparigas passaram a freqüentar alguns locais específicos, como o Passeio Público e a feira do priquito. Uma menção ao quadrilátero compreendia das Ruas Major Facundo até a Senador Pompeu; e da São Paulo até Moreira da Rocha.

Na Rua Senador Pompeu, ainda funcionou por um certo tempo o Senadorzão,que na realidade não era cabaré, mas um ponto de encontro de putas e de homens, que após um dia de trabalha, buscavam diversão. Beber, dançar, escutar Waldick Soriano, Roberto Muler, Raimundo Soldado e outros.

Como disse, Raimundo da Baiana era um descuidista , rufião e não um bandido da pesado, pois não tinha na veia sangue de bandido; queria somente uma maneira de ganhar a vida sem muito esforço, tomar suas cachaças e comer de graça as mulheres da zona. O que muitas vezes lhe trazia confusões. Com o fechamento das zonas ele teve que buscar outro meio de vida.

Fortaleza era uma cidade pequena. Todos praticamente se conheciam e sabiam quem fazia o quê. Portanto, aqui no Ceará, ou mais precisamente em Fortaleza, Raimundo não iria arranjar qualquer colocação, seja onde fosse, depois de ter passado muito tempo vivendo da exploração sexual de prostitutas.

No comércio, na rede bancária, ou nas poucas indústrias existentes jamais se empregaria, mesmo tendo certa capacidade, pois cursara o Mobral, o Madureza Ginasial e Colegial, além de ter estudado técnicas comerciais no Colégio Fênix Caixeral, sem falar no curso de desenho por correspondência e ter freqüentado por três dias a escola de datilografia, que havia na Praça do Coração de Jesus.

E foi assim que Raimundo se viu obrigado a mudar de ares. Ir embora do seu querido Ceará.

A Meca brasileira era São Paulo, como ainda hoje. Entretanto, Raimundo optou pelo Rio de Janeiro. Uma cidade mais ao seu estilo, alegre, onde poderia arranjar trabalho e ainda curtir a vida, como sempre desejou e também parentes e amigos por lá. Principalmente, um grande amigo de infância: Misael do Anjos.

No dia 31 de março de 1977, às 16 horas em ponto, dia de comemoração de 13 anos da Revolução, uma quinta-feira, Raimunda desembarca de um ônibus da Itapemirim na Rodoviária Novo Rio, trajando, como mandava o figurino da época: não sei se bermuda ou bermuta, que ele vestia; camiseta sem manga, bolsa de tira colo e tamanco. Um bom paraíba.

Aqui se abre um parêntesis para explicar o termo bermuda e bermuta. Segundo um sujeito, bermuda é quando a calça é bem curta; e bermuta se for mais comprida um pouco, com as bermudas atuais usadas pela molecada.

À espera de Raimundo suas duas irmãs que moravam no Rio e Misael, que não abriu mão de levar o Raimundo antes para conhecer o apartamento dele, Misael, no Bairro de Fátima, na Rua do Riachuelo, nº 333, o famoso Balança Mais Não Cai, para matar a saudade dos tempos de criança, tomar umas cervejas, jogar conversa fora e combinarem encontro no fim de semana, entretanto, tendo Misael se comprometido de deixar Raimundo às 22 horas, no apartamento das irmãs dele, Raimundo, que ficava ali perto também na Riachuelo.

Sábado à noite, por volta das 20 horas, Raimundo e Misael encontram-se para dar uma volta na cidade. Raimundo bem a caráter. Vestido com uma camisa listrada, calça boca de sino quadriculada, sapato cavalo de tróia envernizado, encontra Misael em baixo no ponto do ônibus, bem em baixo do prédio em que moravam as irmãs de Raimundo, e pegam o ônibus 464 – Andaraí/Lebron.

No Rio o itinerário dos ônibus é definido pela numeração. Andaraí/Leblon tem vários, 454, 434, 464, porém fazem itinerários diferentes. Para irem para a Avenida Atlântica, o melhor era o 464, que vai pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana, enquanto o 434, vai pela Tonelero, ou Barata Ribeiro, salvo engano, que ficam mais longe.

Em Copacabana, saem a andar pela beira da praia. Nos bares da Avenida Atlântica tomam chope, mas nada de pintar uma mulher que fosse para eles paquerarem. De Copacabana foram para Ipanema. Entraram no Barril 1800, tomaram mais uns dois ou três chopes e nada pintou.

Raimundo já puto da vida. Brabo que só ele, pois era um nordestino daqueles grosso que só tornozelo de elefante, e mesmo morando em Fortaleza há muitos anos, continuava matuto, que falava e ria alto para chamar atenção, e com o passar do tempo vai ficando mais puto ainda, já perto da meia noite quando diz:

- Puta que pariu, Misael! Isso é uma terra de merda. Coloquei a minha melhor roupa e não arranjei nada. Se fosse em Fortaleza estava chovendo mulher em cima de mim.

- Misael então falou! Cara, sossega. Vamos embora daqui. Vou te levar para um local onde tu vais abafar. Vais arranjar mulher à vontade.

E se mandaram para a Lapa.

A Lapa na época, não é como hoje, para onde aflora um grande número de pessoas de todos os sexos em busca de diversão. Naquele tempo, era um reduto de travestis. As boates eram freqüentadas somente por homossexuais. Nem prostituta frequentava.

Ao chegarem lá foram para uma boate que havia perto da ACM – Associação Cristã de Moços, e já deram de cara com uma loira de fechar quarteirão, que deu logo em cima do Raimundo.

Misael notou e viu que Raimundo não se manifestou. Não deu nem bolas para a loira. Não se agüentando, comentou:

- Cara! A loirona está dando em cima de ti. Vai à luta.

Como Raimundo não acreditou, pois a loira era um avião, respondeu:

- Cara, não está vendo que essa mulher não vai me querer.

- Que é isso? É contigo mesmo. Vai à luta. A gata vai acaba pensando que nós dois somos baitolas.

De tanto insistir, Raimundo foi à luta e ganhou a gata, ou melhor, a gata ganhou ele, pois já está de olho nele mesmo.

Conversaram um pouco e logo estavam de braços dados, parecendo um belo casal de pombinhos e saíram à procura dos arcos da Lapa.

Misael, sorrateiramente, foi atrás. Os dois namorados encostaram-se numa das colunas dos arcos e começaram o namoro. Beijos, abraços, roça daqui, roça dali, daí a pouco vem os amassos. Á medida que se beijam, foram se desinibindo e as carícias aumentando. Pega aqui pega ali. Beijo na boca, chupada na língua.

Raimundo já muito empolgado, com aquela gata lindíssima, cheio de tesão, foi acariciando-a, até pegar nos peitos da mina. Depois de algum tempo foi baixando a mão, foi baixando e aí encontrou.

Encontrou um pau duro e muito maior do que o dele.

Puto da vida, mais brabo que siri numa lata, acostumado a brigar no Curral, meteu a porrada na “gata”. Misael, vendo aquilo, correu para tirar Raimundo da enrascada.

Depois de muito sacrifício, arrasta Raimundo da confusão, bem a tempo, pois um bando de baitola já corria para salvar a colega.

- Vamos, cara. Aqui a barra pesa e nós vamos morrer nas mãos daquele bando de viado que vem ali.

Saíram correndo a pé pela Rua Mem de Sá o mais rápido possível. Em poucos minutos estava na Praça da Cruz Vermelha, a salvo de um linchamento. Entraram na Rua Washigton Luís e saíram em cima do nº 333, da Rua Riachuelo.

Lá se despediram. Entretanto, Raimundo pediu ao Misael para não contar nada do caso para as irmãs dele, Raimundo, ou mesmo para qualquer pessoa, pois moravam muitos conterrâneos na região.

Já imaginou, se alguém souber lá no Ceará que eu peguei no pau de um baitola? To lascado,.dizia Raimundo repetidas vezes para persuadir Misael a não contar nada a ninguém.

Misael, porém, não se conteve e contou o fato para o porteiro do prédio, que ao tomar conhecimento do fato procurou fazer amizade com Raimundo até ficarem íntimos.

Um belo dia, quando Raimundo entra no prédio, o porteiro lascou esta:

- Como é, cara! Ainda continua tocando punheta em viado aqui no Rio de Janeiro? Isso é costume de cearense, ou só teu?

Na primeira oportunidade que teve, Raimundo deu uma pisa em Misael que quase mata, terminando uma amizade de mais de vinte anos.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

FORTALEZA, MAIO/2012