Sangue

A partir do momento em que está feito, não é uma ferida, não mais - torna-se um invólucro consistente, que arde conforme a fraqueza da alma - um ser vivente, uma lágrima vaporizada pela própria dor. A dor! Não é mais física, tampouco espiritual; está muito além disso. É quase uma fantasia pejorativa, um demônio com um corte horizontal e divergente no canto da boca, um descontamento perdido e atemporal. Algo para se usar como uma coroa que pertenceu a algum rei decadente, sob o qual escorre o manto vermelho, líquido e viscoso, brilhante e ao mesmo tempo opaco de vida (o que por si só já é um devaneio, já que ele representa a própria vida descarnada). Um suspiro que preenche o ambiente com um ar satisfeito e ferroso; as gotas vermelhas na espada do rei que desaparecem com a água da realidade infantil, ao mesmo tempo em que se misturam com a podridão do esgoto infectado de pecados. E ele, o sorriso do demônio, o corte, estará lá para me lembrar, sempre que for necessário, auxiliando uma vida desprezada e, sempre que possível, implora por mais uma dose de batom vermelho, de meretriz barata e doente. E é soturno porque é verdade, mesmo evitando, procrastinando, o apocalipse da alma, o refluxo dos pensamentos, a amargura dos inocentes. Escorre e reflete no chão, debochando. Sarcasmo.