A esgana gatos
Era uma vez numa cidadezinha do interior, onde morava uma menina engraçada, de rosto oval e pele trigueira. Ela adorava gatos, de todos os tamanhos e cores. Juntos faziam uma festa.
Gostava de brincar com eles e quando os pais saiam para trabalhar, ela ficava normalmente em companhia dos seus amigos. Brincavam praticamente todo o dia, até o sol se pôr.
No inverno, quando a temperatura estava muito baixa e às vezes chovia, ela ficava em casa com os seus gatinhos e procurava inventar brincadeiras em que os animais pudessem participar.
Numa bela tarde de frio, enquanto convivia com os seus gatos, ela teve a ideia de os recolher junto a ela e começou a imaginar como poderia usá-los numa situação inusitada.
Pensou, pensou, pensou, mas as ideias que lhe vinham à mente, eram brincadeiras comuns, em que ela e os seus gatos já tinham participado várias vezes.
Olhou para o mais pequeno e franzino e sentiu dó de o obrigar a participar de qualquer jogo mais violento ou incomum. O maior era um gatão branco e encorpado, um pouco pesado para brincadeiras arrojadas. O que fazer?
Foi então que teve uma ideia. Iria dar certo? Ninguém entraria em casa de repente naquela tarde e a surpreenderia? As cortinas da sala resistiriam incólumes, ao peso dos animais? Era uma ideia muito louca e perigosa. Como os gatos iriam reagir?
E foi então que os perfilou ao seu lado, um por um. A partir daí, todos esses "atletas" se tornariam "alpinistas", prontos para escalar vertiginosamente aquele paredão imenso, representado pelas velhas cortinas da sala. Uma verdadeira prova de força, perícia e sangue frio. E então, iniciou a sua festa...
Começou por arremessá-los aos dois, três duma só vez. Os gatos iam lutando para se agarrarem tenazmente às cortinas e deslizavam agora presos pelas unhas, numa performance irrepreensível. Imitiam um som parecido com um miar baixo e surdo, provocado pela alta concentração do exercício e também pelo desenrolar de toda a operação... A menina gargalhava e os gatos miavam como loucos, num cenário indescritível de alegria e alto risco.
A melhor descida, foi conferida pelo gato branco, que deixou a sua marca no tecido também branco, das cortinas. Como se tivesse descido uma bela montanha, perigosa e coberta de neve.
A nossa heroína batia palmas e atribuía pontuações às melhores descidas...
Foram momentos mágicos, passados naquela tarde e junto aos seus melhores amigos. Os gatos estavam esgotados e a menina com dor nos braços de tanto os arremessar.
Era chegada a hora de compensar os animaizinhos por aquele esforço desmedido e heroico. Seria necessário escolher os melhores e atribuir troféus e medalhas aos seus belos desempenhos. Como fazer isso? Não havia pensado em tal.
Foi então que teve uma brilhante ideia; tirar a sua velha pulseira de metal do seu pulso e chamar o gato vencedor. Era um momento sublime.
O maior gato apresentou-se para receber o troféu. Fez-se um minuto de silêncio. A nossa amiga agarrou a sua bonita pulseira e começou a condecorar o seu gato. Ao colocá-la bem justa pela cabeça e rente ao pescoço do animal, fazia com que ele lutasse agora, apavorado e com receio desse objecto insólito, que escorregava pelo seu pelo macio e aveludado.
E quando tudo parecia dar certo, o pobre gato resolveu instintivamente abrir a sua boca. Foi horrível!!! Isso provocou de imediato a imobilização da pulseira, que agora assumia o aspecto de uma cinta metálica apertadíssima e incapaz de sair daquele lugar. A boca do animal estava travada. O gato pulava enlouquecido, numa imagem apavorante e deformada pela sua "condecoração". O ruído era ensurdecedor e a cena macabra.
A menina e os restantes gatos fugiram apavorados do local. De fora da casa, podiam-se ouvir os uivos e ver os pulos do animal que, aflitíssimo, se debatia raivosamente.
A confusão durou até à noite, quando por ali passaram alguns vizinhos que se aproximaram para verificar o ocorrido. A história correu por toda a aldeia e a menininha foi severamente castigada pelos pais.
No entanto, o maior castigo para ela, foi ficar conhecida em toda a região, como a "esgana gatos", apesar da sua boa intenção.