Que diabos estive fazendo nos últimos anos?
A alquimia do Tantra exige comprometimento
em primeiro lugar. Essa espécie de aplicação que
poucos submetem a si mesmos não para fins de uma
obtenção futura, mas para uma consciência do aqui e
do agora.
Foi o que me levara à Kajuraho, o famoso
templo. Durante dias, que se tornaram semanas e
depois meses, vim para frente do templo e meditei,
postergando ao máximo minha entrada, a fim de
conseguir a sintonia própria do lugar. Eu, um brasileiro,
filho do carnaval, do samba e do choop gelado em
pleno êxtase espiritual, finalmente, adentrei o lugar. O
que vi, senti e experimentei guardo comigo. Não seria
conveniente expô-lo; sobremaneira quando uma
manada de curiosos está por vir.
Muito embora meu comprometimento tenha
sido exemplar, no que se refere a meus
questionamentos e Deus e a ninguém mais, não posso
deixar de indagar a Santo Antonio de Cauleas, Patrono
de Constantinopla: do que estamos falando quando nos
referimos à iluminação? Interrogo-o se não ocorreriam
paralelos com a chamada santificação?
Prefiro colecionar meus incensários;
preparando as essências eu mesmo, do que comprálos
já prontos, o que me dá tempo para pensar: Em
sendo a iluminação, uma possibilidade infinitesimal,
entre zeros e vírgulas, do que essa gente tanto fala?
Carla surgiu tão rapidamente quanto
desapareceu da minha vida. O que eu buscava na
época continua o mesmo hoje, embora hoje, eu tenha
um sentido de alerta que em outros períodos me
faltava. Quem sabe, a experiência amorosa seja, em
si, a chave (e aí volta toda a questão do orientalismo
que me traz à alquimia do Tantra) para a compreensão
dessas experiências. Não posso deixar de inquirir se
poderia ser real a possibilidade de uma reconciliação
com Carla.
O zênite da minha inquirição foi quando
percebi, para meu desgosto, que santificação e
iluminação estariam definitivamente em caminhos
paralelos que não se cruzam. Mesmo assim, tracei
uma rota única que vislumbrava a translúcida escuridão
de São Dionísio e que certamente Santo Antonio de
Cauleas estaria em comunhão, após várias sessões de
Nadabhrama. Carla estava no brechó, meditando
como de hábito e cheguei eu, animado com minha
descoberta.
--- Oi.
--- Oi. Que te deu? Que bicho te mordeu?
--- Um insight.
Descorri, ao máximo que pude, a respeito de
minha nova perspectiva e pude ler em seus olhos
castanhos claros que ela percebia, na real, o que
ocorria comigo. Embora não compreendesse, talvez,
intelectualmente, a magnitude do que eu dizia, sem
dúvida, tinha noções o bastante para me acompanhar
no pensamento e, pôde ‘conter-me’ quando lhe disse
que seguiria, sem mais delongas aquela rota, como eu
mesmo chamava.
--- Bem, não temos mais relacionamento,
lembra? --- disse ela --- Não tenho como te impedir de
fazer o que quiser e mesmo quando tínhamos...
--- Certo. Já sei o que você vai dizer. Não se
incomode. Sei onde estou me metendo.
Estava eu, àquela altura, seguro de que podia
tomar um drink com o demônio, me certificar de que ele
não tinha me seguido e comemorar minha façanha. E
embora eu tenha uma dezena de motivos para deixar
de ir ao templo novamente, quando finalmente chegar
lá, direi:
Meu comprometimento está na medida em que
o aqui e o agora estiverem dispostos a mostrarem a
meus cabelos loiros e minha face pálida a que vieram e
não eu a eles, à moda de Lao Tzé e de Aleister juntos!