O SÁBIO DA SUSPEITA

Eu vi.

Com toda jura que há, posso jurar a você que vi, caro leitor.

Não, não foi uma alucinação ou talvez epifania como alguns poderiam inferir num acontecimento semelhante.

Confesso que o vi nitidamente com estes meus olhos já exaustos de exergar miragens esquisitas ao longo do tempo. Vi o homem andando como um fantasma peripatético falando consigo mesmo. Aparentemente dizia coisas sem conexão com a minha realidade, com a minha suposta realidade, ou o que até então entendia como tal. Mas tudo que o sujeito infundia para além de sua boca com extrema eloquência, a minha mente assimilava com clareza estonteante. Aquele trapo humano foi destruindo com palavras e reflexões o meu alicerce arenoso e movediço.

Tese por tese do que me foi incutido deste a infância por intermédio da formação educacional no que tange a estrutura social em que me constitui homem, sobretudo ao que se refere aos ordenamentos de caráter religioso, foram caindo por terra, desfazendo-se na areia porosa do meu entendimento.

De repente apoderou-se de mim uma risada frenética, neurótica, bizarra, incontrolável de alegria e desassossego enquanto aquele vulto sombrio e dilacerante dissolvia como num passe de mágica. Enquanto desaparecia no ar a minha frente, dizia algo como: "Agora é com você, tolo imbecil, reconstrua o seu edifício se é que ainda lhe resta tempo".

De alguma forma, percebi que algo me foi entregue com eficiência, bastaria esmiuçá-lo e esta seria uma outra tarefa. Dúvida, dúvida, eis o resultado da aparição do sábio da suspeita no meu onírico jardim matinal.

Quando olho na direção retroativa, sei que é tarde demais. Os caminhos estão todos embaralhados e dão início a formação de um labirinto estranho e vertiginoso inconcebível aos agraciados pela aparição inusitada; mesmo se me vier um lampejo, ainda que enfraquecido de indecisão, o retorno já não me comporta mais, em razão da fragilidade dos argumentos desenhados até então na minha concepção de mundo. No estágio febril e recalcitrante em que me encontro, já acumulo energia o bastente para debandar e transformar tudo num monstruoso tormento lúcido.

Neste instante o ontem se apagou, as luzes de outrora verteram-se em chamas e presumo que vão se transformar em cinzas, para dar lugar ao renascimento. Vejo a fumaça oblíquo do meu passado retornando a sua origem, mas não tão nitidamente, consigo distinguir entre os escombros o meu rastro de desilusão destrutiva e reconstrutiva.

Agora posiciono meus pés na direção inversa adiante. Seguirei a passos largos sem sobressaltos.

Algo de mim deixei para atrás.

Wagner de Oliveira
Enviado por Wagner de Oliveira em 23/04/2012
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