Paixão e metáforas
Linda tarde de primavera, o inusitado desabrocha singelamente.
Repentinamente num cruzamento furtivo de uma esquina, ou casualmente nas perambulações em redes sociais ou em qualquer canto, sob a permissão e as bençãos dos sábios deuses que regem o andamento deste estupendo universo infinito, os amantes se encontram, advindo, subitamente, em seus corações, uma arrebatadora paixão.
Um manto de linho azul marinho transparente envolve em segredo a metáfora intrigante que exprime os encantos e os desencantos desse envolvente e sublime enlace. A água, a torneira o copo e outras metáforas.
A paixão acontece ao acaso. Entretanto, submersos no oceano da mais delirante e completa fantasia onírica, os protagonistas elaboram confidencialmente um conto permeado de racionalizações espantosas onde justificarão todos os detalhes e coincidências que conspiraram para o feliz encontro de suas almas. É o amor e o desejo integrados em perfeito esplendor; é a construção da comunhão definitiva. Tudo já estava escrito no interior dos astros celestes.
As duas cabeças, doravante, interagem numa sincronicidade estimulante sem precedentes cegamente. Os corações vibram chafurdados nas insaciáveis emoções. A poesia é nomeada como timoneira do novo caminho que traçarão juntos para todo sempre. É o encontro magnífico de almas gêmeas no universo repleto de sonhos imaginários, encantadores. Um ninho lindo entre os galhos do arvoredo.
A realidade se afasta por algum tempo dando lugar ao puro devaneio lúdico inabalável. Até que, transcorrido um período qualquer, os pingos de uma bobaginha ali, outra bobiça acolá vão caindo vagarosamente feito conta-gota da torneira para o copo. É o efeito que emerge em virtude de algum desagrado quase imperceptível aos sentimentos ainda preponderantemente fortes de apego entre os pombinhos. O abalo sísmico eclode numa escala insignificante.
Planos, metas, caminhos são traçados harmoniosamente; o futuro é adornado num belo enredo na primeira pessoa do plural. A comoção invade o território dos amantes.
Entretanto, gradativamente o tempo se encarrega de providenciar mais pingos, agora caindo um pouco mais rápido do que as escassas gotas. Pingos que surgem em decorrência de discórdias sobre opiniões, gostos, crenças, propriedades, comportamentos, conflitos de idéias, gastos e todas as etc e etc e tal que caibam aqui. A torneira já dá indícios de que deve ser submetida a reparos com urgência. Por seu turno, o copo já reclama socorro acenando um princípio de transbordamento num futuro próximo.
O abalo já tem proporções de moléstia grave em estágio inicial. O efeito maléfico é acentuado, mas não a ponto de uma destruição catastrófica imediata. Eles percebem que não se conhecem tão bem assim e cada qual a seu modo questiona a certeza ou convicção depositada sobre o entrelaçamento que construiram. O amor já é sentido como algo efêmero na sua constituição intrínseca, de modo que a inviabilidade da comunhão é arquitetada diuturnamente no esconderijo secreto e volátil das mentes desordenadas pela decepção. A água desce feito cachoeira em queda livre, prenunciando um golpe final iminente. Torneira e copo saturados pela água que jorra entre o espaço, são agora ligados diretamente por um condutor invisível.
A esperança da permanente felicidade nutrida a dois no breve período, é sepultada em meio a uma forte melancolia lacrimejante. O bem querer é substituído pelo ódio contaminante e derradeiro.
Então a fatídica e irremediável inundação afoga em prantos aquela louca paixão.
O manto taciturno retira-se em paz.
Restaram somente os caminhos opostos.
Ah enganadora e irresistível paixão!