Victoria

Não importa a sua fé, todos já quiseram se jogar no mundo da luxúria, que seja só por uma noite. Victoria não. Da luxúria vivia e dessa se alimentava. Todas as noites, se revestia de plumas e pecado, brincava com texturas, provocava olhares e, ao som do jazz nostálgico, bailarinava pelo salão, brincando de ser misteriosa enquanto rebolava ameaçando arrebentar a cinta liga. Mostrava o bastante para deixar o público faminto, mas sempre querendo mais. Todos, menos Francisco, que pacientemente sentava em um canto escuro enquanto tomava uísque puro. Esperava pacientemente ao fim do show, comendo Victoria com os olhos famintos ou ainda fitando seu copo desinteressadamente. Ao fim do show, coloca Victoria em seus largos ombros e a levava para casa.

A dançarina acordou em suados lençóis, na penumbra de um pequeno cômodo cheirando a licor. Onde estava Francisco? Levantou-se cambaleante e encontrou o gentil rapaz na cozinha. De mansinho, o abraçou por trás, roçando seu peito nu em suas costas, sussurando “quem é sua estrela?”. Com o olhar baixo, balbuciou um “você” desanimado. Sem retribuir o beijo, acendeu um charuto e deixou a chave em cima da bancada.

Como não estava interessada em tomar seu café, Victoria chegou cedo ao Eldorado. Fixando seus olhos negros em si mesma, perguntou ao espelho se seu brilho era o bastante. Os dedos da imagem roçaram seu rosto, deixando clara a resposta. Enquanto se examinava, a vaidade tomou seu lugar de direito, maquiando seus olhos e seios, vestindo seu espartilho favorito. Um sorriso do orgulho declarou, estava pronta. Acompanhada pela gula, devorou cada flash de luz do salão com seus lábios vermelhos. Dentre tantos olhares perplexos e mãos tentando conter o desejo, lá estava Francisco. Com seus costumeiros olhos tristes, fitava desinteressadamente o copo de uísque. É claro que Victoria não se importou, seu verdadeiro compromisso era com a noite, já que nenhum homem era capaz de te dar tanto prazer quanto seu collant apertado. Mais um espetáculo chegara ao fim, e a estrela foi ao camarim, para ficar sozinha com seus pensamentos, que sussuravam “estrela, será que...” mas foram afugentados por um Francisco apressado para levá-la para casa. Não lutou, Francisco tinha um efeito estranho sobre ela. Era como... se o mundo fosse outro quando visto de seus ombros.

Acordou com uma enchaqueca. Ressaca de luxúria, talvez. Fran, como carinhosamente sussurava o nome de seu amante, fumava um cigarro perto da janela escancarada. Tome seu café, apenas disse, mas Victoria sabia que era uma armadilha. Aquele café ofuscaria sua estrela, justo agora brilhava insanamente, se tornaria opaca. Pó. Não, hoje não. A estrela ia continuar queimando, mesmo que isso significava perder Francisco. Tome logo, ele repetiu, ou terei que ajudar você? Desesperada, levantou-se ainda nua e despejou a bebida fumegante pela pia. Hoje não. Ainda tenho muito o que brilhar, respondeu, esperando o ataque de fúria. Veio o silêncio, silêncio quebrado pelo barulho da porta da frente sendo fechada. Outro dia, outro drama, pensou. Cobriu seu corpo e decidiu que já estava na hora de ir para o Eldorado.

No caminho, seus pensamentos a alcançaram, com as mesmas perguntas de sempre. Estrela, eu? O brilho, é suficiente? Aliás, há brilho no fim das contas? Espantados pela ira, foram embora. A ira se mostrava amiga, dando motivos para Victoria desprezar esses pensamentos. E a Francisco. Quem ele pensava que é, tentando retirar seu brilho? Asco.

Chegando no Eldorado, resolveu despir-se. Retirou todas as mentiras do corpo e ficou olhando a enorme pilha que juntou. Sou uma estrela? Dor de cabeça. Sentiu o sal das lágrimas, sentiu o amargo do orgulho. Não iria se entregar. Vestiu todos seus pecados com avareza, maquiou-se com gelo e partiu para o salão. Vazio. Mas, já estava na hora da apresentação. É que você não é uma estrela, sussuraram. Eles de novo. De onde tirou que você brilhava, sua tola? Já se enganou demais, olhe. Ninguém te quer. Não, Victoria não aceitava isso. Tinha visto seu nome no letreiro, todo iluminado. Não, não foi isso. Foi um cartaz, colorido com sua imagem. Também não. Não foi nada. Ou será que foi tudo e agora esses malditos fantasmas querem confundi-la? Provavelmente. Todos querem ver a estrela apagada. Não sabia se odiava mais tomar uma dose daquilo que chamam de café ou de ter que conviver com esses idiotas nos dias de suposta liberdade. Não, mesmo assombrada, é melhor estar liberta, mesmo que os terríveis pensamentos continuem a sussurrar que não é uma estrela. Poderiam calar a boca, esses fantasmas idiotas. Mas eles estão enganados. Francisco está enganado. E veja se não é Francisco, parado no canto do salão. Com seu copo de uísque inconfundível. Ele está sorrindo, não está? Todos estão sorrindo. Francisco, seus pensamentos e a própria Victoria. Um sorriso débil, espumante. Sou uma estrela, pensou pela última vez. Virou uma estrela cadente no meio do salão. Francisco fez um pedido enquanto telefonava para seus agentes, que a colocaram numa maca e a levaram para a agência. Não tinha mais salvação. Às 10h30min da manhã, Victoria se tornara uma supernova.

DG
Enviado por DG em 25/03/2012
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